Constituída historicamente por feiras, pelo grande fluxo comercial e influenciada pela condição de entroncamento rodoviário, Feira de Santana é a segunda maior cidade da Bahia e a maior cidade do interior do Nordeste. O comércio é a sua maior atividade econômica, e por aqui circulam mercadorias e comerciantes de todos os gêneros e de diversos outros lugares.

A antiga e famosa feira do gado, hoje localizada no Campo do Gado Novo, ainda é muito forte, e é movimentada todas as segundas-feiras, com a presença de boiadeiros e pecuaristas de várias partes do estado e do país. Há também o Centro de Abastecimento, o maior ponto de distribuição de mercadorias do município, as feiras livres dos bairros, as diversas empresas, o Feiraguai e, com destaque, o centro comercial, concentrado principalmente entre a Avenida Senhor dos Passos, Sales Barbosa, Marechal Deodoro e ruas transversais.

No centro comercial de Feira encontra-se de tudo. Confecções, sapatos, móveis, gêneros alimentícios, papelaria, plantas e flores, ervas medicinais, ferramentas, utensílios domésticos etc. Basta “bater perna” pesquisando para encontrar o que se precisa – no comércio formal ou informal (feirantes, camelôs e ambulantes).

A atividade destes últimos trabalhadores nos interessa neste artigo, onde trataremos sobre a presença deles em nosso centro comercial, e as ações que vem sendo discutidas para a organização do espaço público na cidade. A grande pergunta a ser respondida é: como garantir o trabalho e o sustento dessas pessoas ao tempo em que se organiza o centro comercial de Feira de Santana? O Feirenses ouviu a opinião desses trabalhadores, e de gestores que lidam diretamente com a organização do centro comercial.

(Em alguns casos, usamos nomes fictícios para entrevistados que preferem não se identificar).

Os comerciantes informais

A organização do centro comercial de Feira

O comércio informal é fundamental para a movimentação da economia da cidade, embora gere questionamentos sobre sua organização e a ocupação dos espaços. O aumento dessa atividade pode ser vista claramente na expansão da quantidade de barracas e carros de mão no centro, dividindo espaço junto a veículos e pedestres.

Os locais para comercialização de mercadorias já organizados pelas diversas gestões municipais têm ficado pequenos, e já não comportam o grande número de trabalhadores informais. Apesar dessas diversas iniciativas de organização dos ambulantes e camelôs, após algum tempo ocorre um descontrole, e vê-se a chegada de outros em locais não regulados, que logo se ajeitam onde encontram brecha.

O Shopping Popular

A proposta do momento para organizar os trabalhadores informais de Feira de Santana é a construção do Shopping Popular. O projeto, que está longe de ser um consenso, pretende ter início ainda este ano, e promete organizar os comerciantes numa grande central de comercialização, onde hoje é a área de artesanato do Centro de Abastecimento, e deixar livre os passeios e as calçadas que atualmente são ocupadas pelos carrinhos de mão e barracas.

“Eu considero uma ocupação ilegal e irregular do solo público. De um calçadão, que é meu, é seu, é de todos os cidadãos de Feira de Santana.”

Para Marcelo Alexandrino, presidente da Associação Comercial e Empresarial de Feira de Santana (ACEFS), a situação do centro da cidade é crítica. Ele usa as palavras “balbúrdia” e “descontrole”, para falar da ocupação do espaço público no centro comercial. “Eu considero uma ocupação ilegal e irregular do solo público. De um calçadão, que é meu, é seu, é de todos os cidadãos de Feira de Santana. Essa ocupação está trazendo transtornos gravíssimos não só no calçadão, como nos passeios. A gente já não tem espaço para caminhar. Os portadores de necessidades especiais não tem como caminhar nos passeios. Nós vemos uma ocupação de carrinhos de frutas, vendendo, ocupando a faixa de pedestre, ocupando a rampa de acessibilidade. Então quer dizer que tudo que é preconizado e exigido do empresário, do comerciante é totalmente desrespeitado na rua”, diz.

Marcelo afirma que a situação vem de governos anteriores, e a atual gestão tem tentado organizar o quadro a partir de medidas como o programa “Pacto de Feira de Santana”, que propõe a revitalização do centro da cidade, incluindo medidas de controle e fiscalização. Para ele, a melhor saída é a construção do Shopping Popular: “Entendemos que existe um problema social, e esse problema social precisa ser muito bem equacionado, até para não ter consequências danosas, inclusive. Os comerciantes precisam ser realocados e se reajustarem. O que eu acho que não pode acontecer é as pessoas esquecerem que estão ocupando o espaço público de forma irregular. Já estamos no caminho e a solução é o Shopping Popular. É um belo projeto que vai trazer enormes benefícios, mas todos precisam ceder a sua parte, para que haja uma solução definitiva do centro da cidade e a sua revitalização. É preciso ter uma fiscalização efetiva da prefeitura e, inclusive, dos comerciantes. Que questionem, e assim todos vejam que temos um espaço público e espaço público não pode ser ocupado”, explica.

Contrariedades ao Shopping Popular

Diversos comerciantes informais, que já estão estabelecidos na Sales Barbosa há anos, não estão de acordo com a implantação do Shopping Popular. É o caso de Dona Ester Ferreira, que há mais de vinte anos é comerciante e tem barraca de confecções no local. “Eu acredito que o Shopping Popular não vai ser bom para a gente, porque vamos ficar distantes do centro. O comércio gira todo é aqui em volta, e assim podemos ter prejuízos. Nossa maior dificuldade é espaço, mas eu quero que organize, sem precisar sair daqui”, diz.

Seu Antônio Carlos, vendedor de bolsas e sacolas na Praça J. Pedreira há oito anos, acredita que o Shopping Popular tem vantagens e desvantagens para os ambulantes. Para ele há os dois lados da história: o Shopping supre a necessidade de espaço para trabalhar, mas o movimento para os ambulantes na localidade do Centro de Abastecimento é fraco. “Nossa maior dificuldade para trabalhar é justamente a falta de espaço, e existe também o medo de ter as mercadorias apreendidas pelo rapa, por trabalhar de forma ilegal e estar ocupando espaço público. O pessoal do Mercado de Arte está lá (próximo ao Centro de Abastecimento, em instalações provisórias) e vive reclamando que lá é ruim e não vende nada. Eu me preocupo com isso, mas, por outro lado, eu gostaria de ter um espaço certinho para trabalhar. Sou comerciante há oito anos e trabalho com medo. Já tive minha mercadoria apreendida por três vezes e é um transtorno danado pra gente retirar. A gente perde tempo. Porque a gente precisa trabalhar. Eu sou pai de família desempregado, tenho três filhos para criar. Aí prende a mercadoria e a gente fica passando necessidade, dificuldade”, relatou seu Antônio, que no momento final da entrevista já se organizava para retirar suas mercadorias, ao ver o carro da fiscalização passar.

Ambulantes em carro de mão

Centro comercial de Feira de Santana

Os comerciantes de frutas e verduras, que costumam usar carrinhos de mão para vender seus produtos, também reclamam da falta de espaço e das ações de fiscalização da Prefeitura, que frequentemente resultam na apreensão das mercadorias. Eles circulam por todo o centro da cidade, entre calçadas, pontos de ônibus e até no meio da rua. Em diálogo com a Prefeitura Municipal, boa parte desses comerciantes foi alocada há algum tempo na Feira Verde, nas proximidades da Praça Bernadino Bahia. Apesar disso, muitos vêm se espalhando principalmente pela rua Marechal Deodoro e Avenida Senhor dos Passos. O trânsito dos pedestres e veículos fica comprometido, e o que se vê são calçadas ocupadas pelos carrinhos.

Cleiton Oliveira é vendedor de hortaliças em carro de mão há cerca de sete anos, e circula por todo o centro comercial de Feira de Santana. Ele observa que a principal dificuldade dos feirantes é, também, a falta de espaço. “A maior dificuldade da gente é porque tem espaço e a gente não ocupa. Essa Feira Verde, só vende quem está na frente. As barracas são muito apertadas. Nossa mercadoria é combustível, tem que vender no dia, tem que pagar a taxa do carro de mão e a gente não tem dinheiro, compra fiado, pega mercadoria na mão de agiota. A gente quer ocupar os espaços vazios no centro, pra gente pra trabalhar em paz”, diz.

“É ruim, ninguém entra, as barracas são apertadas e parecem um curral. Além disso, lá dentro tem bastante rato e sujeira.”

Janice Damasceno também relata sobre as dificuldades de espaço e as condições da Feira Verde. Ela tem barraca no local, mas diz que tem que sair e colocar as mercadorias, fora, na rua, para que possa vender. Segundo Janice, os comerciantes que ficam no fundo da feira, são prejudicados porque ficam escondidos, e o freguês, quando chega, só passa nas barracas da frente, compra, e vai embora, sem nem mesmo circular por todo o espaço. “Eu trabalho na feira, trabalho lá dentro, mas saio, venho pra cá pra frente. Porque lá não vende. É ruim, ninguém entra, as barracas são apertadas e parecem um curral. Além disso, lá dentro tem bastante rato e sujeira. Quem tá na frente vende, quem está no fundo tem que sair, e quando sai o rapa vem, prende, leva tudo”, conta.

O que diz a Prefeitura Municipal

Segundo o Secretário Municipal de Trabalho Turismo e Desenvolvimento Econômico, Antônio Carlos Borges Júnior, as ações de fiscalização e controle realizadas no centro comercial de Feira de Santana fazem parte de um projeto de requalificação. Incluem o Pacto de Feira de Santana, assinado por 21 instituições, que representam comerciantes, feirantes, ambulantes e outros segmentos interessados. Segundo ele, o Pacto consiste em diversas obras e etapas, como a reforma do Mercado de Arte Popular, a melhoria e a colocação da passarela do Centro de Abastecimento, e reforma das praças J. Pedreira e Praça da Bandeira.

“Todas essas ações são de requalificação do centro comercial da cidade e, paralelo a isso, temos também uma ação de fiscalização, que concerne em dar à sociedade a condição de atender a Lei do Estatuto do Pedestre, a Lei do Deficiente Físico e o direito de ir e vir”, disse.

Os 1800 ambulantes cadastrados de vários segmentos, terão um local apropriado que será o Shopping Popular.”

Antônio Carlos diz que a organização dos feirantes na Feira Verde foi fruto de diversos diálogos, e tudo foi acordado atendendo às necessidades de todos. Ele afirma que os acordos não foram cumpridos, e a Secretaria tem recebido denúncias de feirantes mais antigos, reclamando que feirantes mais jovens colocam mercadorias na frente nas barracas da feira, e os impedem de vender. Por isso, disse o Secretário, as ações de fiscalização tem sido mais enérgicas, com o intuito de organizar o centro da cidade.

Ele também afirma que os feirantes que estão espalhados em carros de mão e ocupando espaços públicos devem ir para o Centro de Abastecimento, onde considera o local apropriado para a comercialização desses produtos: “Espero que possamos colocar ordem, e que os mais jovens não prejudiquem os mais idosos, em função de seus interesses pessoais, de querer vender mais num local inadequado. Os 1800 ambulantes cadastrados de vários segmentos, terão um local apropriado que será o Shopping Popular. Entendo eu que o fluxo de pessoas, fazendo as compras nessa central de compras, nesse varejão, a nível de ambulantes, será grande. É claro que onde está o povo, o feirante vai e eu não tenho dúvida que o centro terá todo o vigor que teve no passado e todos os setores estarão lá dentro”.

 


 

Centro Comercial de Feira de Santana

Ainda haverá muito debate acerca da instalação do Shopping Popular em Feira de Santana, e sobre a negociação entre ocupação do espaço público e sustento dos trabalhadores que vivem da informalidade.

Numa cidade nascida no comércio, e que assumiu “feira” como nome, é inevitável que a riqueza material que circula nas vendas e compras, traga também riquezas de vivências, de valores e de sentimentos. O comércio é o sangue que pulsa nessa cidade, e é ele quem dá a cor, a vida, o aroma e a sonoridade que só existem aqui.

As cores e a beleza das frutas e verduras fresquinhas, a funcionalidade ímpar e curiosa dos diversos produtos oferecidos e a voz de cada oferta anunciada nas ruas têm valor simbólico e cultural muito grande. Voz da gente trabalhadora com mãos que todos os dias constroem e montam suas mercadorias e suas vidas nessa terra. Que a melhor saída seja construída!

 

 

Fotos: Val Silva