No conforto das bolhas que integramos nas mídias sociais geralmente é possível enxergar razões óbvias para escolher candidaturas para apoiar neste momento tão delicado da jovem democracia brasileira. Quase sempre estamos em grupos que apoiam as mesmas teses, somos “amigos” de quem concorda conosco e o conteúdo exibido pelos algoritmos são aqueles que farão com que permaneçamos online – ou seja, aquilo que já apreciamos.

Por isso é uma experiência política reveladora conversar com as pessoas nas ruas, olho no olho, buscando a compreensão de suas emoções e interpretações sobre o ponto em que estamos. Foi o que fiz neste sábado (27) em Feira de Santana, um dia antes do segundo turno das eleições para a Presidência da República, em que concorrem Fernando Haddad (PT) e Jair Bolsonaro (PSL).

Conversei com pessoas comuns, que sequer têm tempo para se engajar na militância por uma ou outra campanha política, e que não leram grandes tratados, nem ouviram grandes analistas, para tomar a decisão de voto. Suas inclinações estão ligadas ao que assistem nas suas realidades, ao que sentem ao ver ou ouvir cada candidato, ao reconhecer o que cada um simboliza para os dilemas do cotidiano de quem mora num bairro popular feirense.

Passei a tarde entre os bairros da Queimadinha, do Tomba e do Santo Antônio dos Prazeres, de onde extraí as impressões e relatos que seguem.

Um consenso

Algo presente em todos os entrevistados é a descrença com a política, e com os políticos. A maioria tem certeza sobre qual será a opção de voto neste domingo, mas em nenhum deles há entusiasmo e admiração pelo candidato escolhido.

As expressões são de desiludidos: “é o menos ruim”, “vou votar porque não tem jeito”, “não tenho esperança, mas vou votar nele”.

Definitivamente, a política não está sendo considerada como o espaço onde os problemas da coletividade podem ser enfrentados. A religião, por outro lado, ou Deus, está presente em muitos discursos como referência de transformação social: “não voto em nenhum candidato, só quem pode mudar alguma coisa é Deus. Eles dizendo que vai fazer, que vai fazer… Mas ninguém pode mudar nada, se Deus não mudar”, diz Dona Maria, dona de casa de 57 anos, que decidiu não votar em qualquer dos candidatos.

Fernando Haddad

Encontrei Luciano no Santo Antônio dos Prazeres, agachado, esperando um motoboy passar. Pedreiro, ele está em Feira trabalhando em um condomínio que está sendo construído, mas mora em Coração de Maria. “Eu voto em Haddad. Ele é da campanha de Lula, que já ajudou muito os pobres… Por isso que eu voto. E o outro candidato, se depender de mim ele não ganha. Ele fala de armar o cidadão de bem, mas vai acabar armando é vagabundo”, diz ele.

A referência ao legado do Partido dos Trabalhadores, principalmente nos governos Lula, é frequente entre os eleitores de Fernando Haddad. Gilvana, 48 anos, moradora da Queimadinha, destaca esse ponto: “Eu era criança e lembro do Presidente Figueiredo, o General. Eu via as dificuldades que minha vó passava. O PT entrou e a gente teve uma casa arrumadinha, uma televisão… Quem sonhava em ter uma televisão dessa que eu tenho hoje? Faculdade: quem poderia? Avião… Ter momentos de lazer?”.

Gilvana também demonstra preocupação com as propostas de Bolsonaro: “quando eu vejo o que esse louco fala… Eu não concordo com nada disso. Tortura… Esse negócio do armamento, disse que é para as pessoas terem porte de arma. Mas um país corrupto que nem é o nosso, quem é que não vai ter um porte de arma? De onde é que vai vir a violência? De dentro de casa mesmo. O marido chega bêbado, briga com a mulher, tem uma arma dentro de casa, o que vai fazer, com a cabeça quente? Não concordo com nada disso!”.

“Com toda miséria e com toda roubalheira, foi o PT que ajudou os pobres, não é?”

Também da Queimadinha, o trabalhador autônomo Cleiton declara voto em Haddad, e concorda com Gilvana: “com toda miséria e com toda roubalheira, foi o PT que ajudou os pobres, não é?”, diz ele, sem deixar de manifestar sua descrença com o destino dos mais pobres, qualquer que seja o resultado: “esses negócio que eles ficam falando na televisão, é briga deles lá, é briga de branco. Porque amanhã quando ganhar eles ficam lá na mansão deles, comendo e bebendo do bom, e o povo que se lenhe”.

No Tomba, Rafaela, de 20 anos, também vota no PT. Segundo ela, o principal problema do país, neste momento, é a falta de emprego: “é preciso dar trabalho pros jovens. Eu mesmo estou precisando”. Perguntada sobre o que acha de Jair Bolsonaro, ela não elabora muito: “Eu não vou com a cara dele. Tem cara de mau”.

Jair Bolsonaro

O candidato do PSL frequentemente é associado a uma possível mudança no cenário da segurança pública. O comerciante Renildo, de 42 anos, morador do Santo Antônio dos Prazeres considera esse o maior problema do país no momento. “Com o pouquinho que acompanho, vou votar em Bolsonaro. Esse negócio de político, quase todos são iguais, mas nós temos que votar em um. Isso de muito vagabundo, ele tá prometendo, mas ninguém sabe se vai resolver. Quem sabe não dá uma mini reduzida?”

Renildo tem dois filhos, um de 6 e outro de 3 anos, e se mostra temeroso com a cooptação de jovens pelo tráfico de drogas: “o tráfico leva o jovem hoje a não ir trabalhar, a não ir procurar um emprego. Você tem um filho hoje e os traficantes já estão colocando eles pra fazer as entregas das porcaria. 5, 10 anos, 15 anos… Aí o menino não vai ter mais vontade pra trabalho, nem pra estudo. Porque começa a entrar o dinheiro sujo na mente da criança. Às vezes chega aos 15 anos, às vezes chega aos 20 anos, às vezes não chega, eles mesmo mata”.

“Tu tá vendo a Venezuela como é que tá? Estabeleceu o Comunismo lá agora. Acabou!”

Ainda no Santo Antônio, a professora Ana Graziela, de 37 anos, se diz eleitora histórica do Partido dos Trabalhadores, mas decidiu votar em Bolsonaro neste segundo turno. “Vou votar em Bolsonaro por falta de opção”. Graziela mostra-se ressentida com os governos petistas: “O PT fez muitas coisas, mas também estragou. É a mesma coisa de você estar casado com alguém e dizer que ela mudou sua vida, que lhe ajudou, mas depois essa pessoa lhe abandonou. Ou seja, lhe conquistou e depois lhe jogou no lixo. Foi embora! Ou seja, destruiu tudo! O PT traiu a população.”

No Tomba, Michel, de 20 anos, vendedor de beiju, me disse que iria votar nulo, porque “nenhum dos dois tem capacidade para governar o país”. Enquanto conversávamos, um cliente interviu e pediu voto em Bolsonaro: “se você não sabe, Lula fez o Foro de São Paulo, pra estabelecer o Comunismo no Brasil, igual à Venezuela, igual à Cuba, igual à Bolívia. Todos esses país. E tá lá na reunião que ele teve, pra fazer essa América, uma América Comunista com apoio da China e da Coreia. Tu tá vendo a Venezuela como é que tá? Estabeleceu o Comunismo lá agora. Acabou! E era o país daqui da América mais rico que tinha, porque lá tem petróleo”.

Do ideal ao real

Em um contexto político natural, a discussão de propostas e a esperança de mudança seriam norteadores das escolhas políticas neste momento. Porém, o medo, saudosismo e a descrença são os principais conselheiros dos votos nesse segundo turno das eleições presidenciais.

Uma combinação que aponta para um futuro desafiador, para dizer o mínimo.