Ouvir críticas à configuração urbana de Feira de Santana não é muito difícil, principalmente no que diz respeito à preservação e falta de criação de áreas verdes, onde belezas naturais possam ser apreciadas. Além do caráter meramente paisagístico, a preservação dos recursos naturais tem consequências imediatas na qualidade do ar, na temperatura, no controle de enchentes e pragas e outros tantos fatores que interferem diretamente na qualidade de vida da população.

Por isso é fundamental conhecermos a realidade das lagoas existentes em Feira de Santana, boa parte delas extintas ou semi-extintas, vítimas do crescimento desordenado e da exploração imobiliária irresponsável. Neste artigo vamos conhecer um pouco mais das 6 principais lagoas feirenses: Lagoa da Pindoba, Lagoa da Tábua, Lagoa do Prato Raso, Lagoa Grande, Lagoa Salgada e Lagoa Subaé, após pesquisas da nossa equipe na literatura acadêmica e jornalística existente.

Antes de tudo vale saber que uma lagoa é um corpo de água de relativamente baixa profundidade, com pouco fluxo, mas geralmente sem água estagnada. Enquanto os rios têm as correntezas facilmente observadas, lagoas e lagos possuem microcorrentezas conduzidas termicamente e correntes provocadas pelo vento. Veja no infográfico a seguir a localização das principais lagoas de Feira de Santana:

As lagoas de Feira de Santana

 

Preservação e devastação

As lagoas feirenses são protegidas pelo Código Municipal do Meio Ambiente (Lei 1.612/92), que torna suas áreas de entorno como Áreas de Preservação dos Recursos Naturais. Veja algumas regras:

Art.41, I, § 2º. – Prevalece uma faixa de 100 (cem) metros no entorno das lagoas, previstas neste artigo, medida horizontalmente, a partir do seu nível mais alto, consideradas como Áreas Sujeitas à Regime Específicos – ASRE na Subcategoria de Áreas de Preservação dos Recursos Naturais – APRN, a qual poderá ser ampliada, até quando do delimitação de que trata o 1º. deste artigo: I – excetuam-se a Lagoa Grande e a Lagoa do Prato Raso, cuja faixa é de 50 (cinquenta) metros.

§ 3º. – Na faixa prevista no parágrafo anterior, fica vedado a edificação ou qualquer obra que possa provocar alteração do seu fácil topográfico, da beleza e do pitoresco das características naturais aí existentes, até que sejam elaborados os estudos específicos para as mesmas.

Art. 42 – Nas áreas que trata o artigo no. 41 desta Lei, onde não exista vegetação, deverá ser recomposta as áreas de preservação permanente previstas no Código Florestal com 80% (oitenta por cento) de espécies nativas e o restante poderá ser recomposta com espécies frutíferas ou exóticas bem aclimatadas à região.

(Em 2009, os limites para construção no entorno das lagoas Grande, Prato Raso, Tábua, Salgada e Pindoba passaram de 100 para 30 metros, após uma mudança na legislação).

Apesar do que diz a Lei em relação à preservação do entorno das lagoas, já em 1999 a situação era de desrespeito à norma, como mostram as imagens a seguir, com os limites da área de preservação em amarelo e o limite da lagoa em vermelho:

Preservação das lagoas de Feira de Santana

Já em 1999 o entorno das lagoas sofriam intervenções ilegais. Imagens: CONDER/Pesquisa de Lobão e Machado/2005.

Com o “boom” imobiliário que Feira de Santana viveu nos últimos anos, mais construções e aterramentos irregulares ocorreram, gerando significativo impacto ambiental nesses patrimônios naturais feirenses.

Diz a professora e geógrafa Jocimara Souza Britto Lobão:

“Estas lagoas estão sendo aterradas, servindo de escoamento de esgotos, depósito de lixo, dentre outras agressões ambientais. Para ampliar seu espaço, ou para amenizar a invasão de insetos e animais nocivos à saúde como ratos e baratas, muitas vezes a própria população do entorno dessas lagoas, deseja seu aterramento. Assim, o que antes foi um dos fortes atrativos para a ocupação desse espaço, hoje se constitui em áreas de conflito e pressão para a evolução urbana.”

Lagoa Pindoba

Lagoa Pindoba

Lagoa Pindoba. Foto: Panoramio

O bairro Novo Horizonte, localizado após a UEFS (sentido BR-116 Norte) era formado por várias lagoas, e, durante sua ocupação, foram aterradas grande parte delas para a construção de casas, restando apenas a Lagoa da Pindoba. Além das residências, a construção da BR-116 Norte também colaborou com o soterramento da Lagoa.

Como nas outras lagoas feirenses, um dos motivos de degradação da Lagoa da Pindoba é a retirada de grandes quantidades de barro para a fabricação de tijolos e o lançamento de dejetos nas suas águas (algumas casas situadas à margem da Lagoa lançam seus esgotos diretamente no espelho d’água). Mesmo assim, há quem a utilize até mesmo para a pesca.

Lagoa Tábua

Typha domingensis

Typha domingensis, a “taboa”, que influenciou o nome da Lagoa Tábua.

Localizada também próximo à Universidade Estadual de Feira de Santana, nas proximidades do Conjunto Feira VI e do Bairro Campo Limpo, a Lagoa da Tábua possui esse nome devido ao fato de sua vegetação original possuir vários exemplares de Typha domingensis, conhecida como “taboa”.

É uma das maiores lagoas da cidade. No final da década de 80 e início dos anos 90, possuía várias espécies de peixes como fonte de extração de pesca e lazer de vários moradores da região. É uma das nascentes do Rio Pojuca, mas devido ao avanço do espaço urbano, hoje tem dificuldade em conseguir manter sua lâmina de água.

Lagoa do Prato Raso

Lagoa do Prato Raso

A Lagoa do Prato Raso foi por muito tempo utilizada como reserva de água doce para o consumo de animais e uso doméstico, como cozimento dos alimentos e para o lazer. Hoje a lagoa é bastante diferente do que foi no passado, devido às intervenções humanas, como construções residenciais e comerciais, aterramento e despejo de poluidores dos esgotos urbanos.

As primeiras ocupações na Lagoa do Prato Raso (ocorridas na década de 1940) surgiram a partir de um loteamento clandestino. Na década de 1970 e 1980, determinados órgãos agiram em Feira de Santana com o alvo de atender o grande contingente populacional, como a Caixa Econômica Federal e o Banco Nacional de Habitação – BNH. Estes órgãos foram responsáveis pela construção dos conjuntos Centenário (1972), Milton Gomes (1977) e José Falcão da Silva (1982), gerando um grande impacto para a Lagoa do Prato Raso.

Em 1986, foi construída a Avenida José Falcão da Silva, dividindo a lagoa em duas partes. Uma dessas partes (ou melhor, uma parte da parte, conhecida como lagoa do Geladinho), foi recentemente revitalizada pela Prefeitura Municipal, que construiu o Parque da Lagoa, com pista de cooper, estacionamento, quiosques e equipamentos para atividade física:

 

Lagoa Grande

Lagoa Grande

Lagoa Grande. Foto: Carlos Augusto Oliveira da Silva/SECOM-BA

A Lagoa Grande está situada no bairro da Rocinha, e possui este nome por ter sido uma das maiores lagoas situado no perímetro urbano nos anos cinquenta. Neste período histórico, a Lagoa da Tábua era considerada uma lagoa rural e Feira de Santana tinha a captação de água para consumo humano realizado na Lagoa Grande. Nesse período já se iniciavam as primeiras invasões no entorno da lagoa.

Após ter seu entorno ocupado por muitas residências, e também sofrer com os problemas vividos pelas demais lagoas feirenses, a Lagoa Grande está sendo revitalizada pelo Governo do Estado, que pretende instalar campo de futebol, quadra poliesportiva e parque infantil numa espécie de polo de lazer.

(Foi na Lagoa Grande que encontraram jacarés do papo-amarelo recentemente).

No vídeo a seguir, a planta do projeto:

 

Lagoa Subaé

Ocupações residenciais na Lagoa Subaé

Ocupações residenciais no entorno da Lagoa Subaé. Foto: Erivaldo Vieira/UEFS

A lagoa do Subaé é mais uma das lagoas praticamente devastadas pelas intervenções urbanas. Ela foi aterrada em 1973 para construção da BR 324, e atualmente vem sofrendo com ações imobiliárias irregulares, como mostra o relato a seguir, do Jornal Grande Bahia:

“Os moradores relataram que com as chuvas de abril o nível da lagoa subiu, mas uma obstrução de concreto e pedra impede que a água da lagoa circule de forma livre. A obstrução da água ocasiona o aumento de insetos, contribuindo com a degradação da qualidade de vida dos moradores.”

Um fator extra atingiu e atinge a preservação da Lagoa Subaé: a expansão do Centro Industrial do Subaé (CIS), que também gerou aterramentos e poluição.

Lagoa Salgada

A Lagoa Salgada, com uma área de extensão equivalente a 135 campos de futebol também é muito explorada para a extração de argila por olarias instaladas na margem da lagoa. Com a expansão imobiliária da cidade na região da Avenida Nóide Cerqueira, a Lagoa Salgada também tem sofrido com o aterramento para construção de condomínios residenciais.

Abaixo, um vídeo feito em 2011 com uma vista panorâmica da Lagoa Salgada:

https://www.youtube.com/watch?v=Jkgi6UI545w

 


No estágio de devastação em que se encontram, recuperar as lagoas feirenses passa por desocupar habitantes do entorno, limpar e despoluir as águas, realizar obras de saneamento básico nas moradias próximas, recuperar a vegetação das proximidades da lagoa etc. O investimento necessário nesse tipo de trabalho faz os gestores públicos recuarem, alegando falta de recursos.

A obra da Lagoa Grande, por exemplo, exigiu cerca de R$65 milhões de reais – quase o investimento necessário para o BRT de Feira, que é de R$87 milhões. É preciso que a preservação das riquezas naturais do município, já tão carente de patrimônios ambientais, seja uma prioridade, ou veremos morrer o que resta da “Santana dos Olhos D’Água”, o oásis para os viajantes que pretendiam ingressar no sertão brasileiro.

 

Referências

Se você quer conhecer mais sobre as lagoas feirenses, confira os seguintes links: