Depois da ascensão do novo regime, qualquer crítica se tornou coisa de esquerdista, comunista, socialista, entusiasta do ex-credo de Moscou. Temos aí, de plantão, abnegados patriotas que tentam nos impulsionar para os píncaros do desenvolvimento, embora tudo o que se veja, à volta, seja o fundo do poço e suas ásperas paredes. Não é controvérsia de desocupado de mídia social, não: números oficiais colocam o País em situação delicada. Talvez seja necessário suprimir as estatísticas para que o Brasil fique melhor, mas, por enquanto, vamos a alguns números.
Em países civilizados as políticas de proteção social são acionadas nos momentos de crise, quando a renda cai e o desemprego se eleva. Nessa Pátria altaneira, porém, tudo ocorre ao contrário: com a crise econômica avassaladora, benefícios sociais começaram a ser cortados – sobretudo o Bolsa Família – sob a égide de três exímios gerentes: Dilma Rousseff (PT), Michel Temer (MDB) e, agora, Jair Bolsonaro (PSL), o “mito”.
A Feira de Santana reflete bem esse drama. Em agosto, foram repassados para os beneficiários do Bolsa Família – em valores correntes – R$ 3,949 milhões. Ironicamente, é o mesmo valor nominal de há exatos dez anos: R$ 3,949 milhões. Atualizado pela inflação, porém, o valor alcança robustos de R$ 6,936 milhões, tomando como base o Índice de Preços ao Consumidor – Amplo (IPCA), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Em termos reais, são cerca de R$ 3 milhões a menos, a cada mês, na economia feirense. São quase R$ 36 milhões num ano. É um recurso que desliza para o caixa do mercadinho, da padaria, do açougue, da banca de frutas e verduras e que ajuda – e muito – a gerar postos de trabalho num momento em que o comércio dos bairros, sobretudo os periféricos, está combalido.
“Nenhum acólito do “mito”, portanto, pode alegar que se trata de uma conspiração comunista para enodoar seu ícone.”
Os números são oficiais, do festejado Ministério da Cidadania. Nenhum acólito do “mito”, portanto, pode alegar que se trata de uma conspiração comunista para enodoar seu ícone. Ou pode: talvez julguem que, lá dentro, ainda estão abrigados muitos inimigos da pátria. Mas talvez celebrem, vociferando que a “mamata acabou” para os pobres, com a habitual cruel satisfação.
A queda dos valores repassados se repete na quantidade de famílias beneficiárias: em agosto foram apenas 31,8 mil. Até já foi pior: em julho de 2017 chegou-se ao menor patamar, com apenas 29,6 mil famílias contempladas. Mas, até mesmo no governo do “mito”, o total já foi maior: alcançou 32,9 mil em maio e, desde lá, vem caindo novamente. O fato é que o município oscila nesse patamar desde meados de 2016.
O valor médio do benefício não vai além de R$ 124,18. Em junho do ano passado alcançou o menor patamar recente – R$ 110,15 – mas subiu um pouco desde então. Há sete anos – antes da recessão seguida de estagnação na qual o Brasil atolou em 2014 – era de R$ 127,56. Isso quando a economia crescia e havia, à disposição, postos de trabalho que, desde então, desapareceram.
Faz alguns anos que, no Brasil, as versões se sobrepõem aos fatos. Quando os fatos são quantificáveis – números – recorre-se à gritaria para turvar o debate, estratégia consagrada em gincanas de colegiais e em assembleias estudantis. A gritaria, porém, é metafórica, porque se deslocou para a esfera virtual e é exercida por matilhas disciplinadas. Isso quando não se recorre aos robôs, que tornam os embates muito mais desiguais.
Não dá, porém, para contornar números como os do Bolsa Família aqui na Feira de Santana. Nem ignorar que a pauperização pelas ruas da cidade cresceu visivelmente. Ano que vem o brasileiro tem a primeira oportunidade de começar a revogar esse surto de insensatez. Algum otimismo, portanto, é necessário. Não é possível que Satanás continue zombando, indefinidamente, desse triste País.