Tem uma coisa que Feira não é: uma cidade de poucos artistas. Além dos nascidos aqui, há os que fizeram dela a “Feira escolhida”. Para estar, para morar, para crescer. Quando decidi elencar alguns nomes de artistas plásticos feirenses, quis falar de muitos. E esta seria uma postagem demasiado longa. E cheguei à conclusão de que eu poderia apenas começar. E comecei escolhendo os que primeiro me vieram à mente, numa espécie de “brainstorm”. Juraci Dórea, porque não dá pra falar da arte feirense sem pronunciar seu nome. Gabriel Ferreira e Jorge Galeano, pela “Feira escolhida”. E o grafiteiro Kbça, que tem feito dos muros da cidade a sua maior exposição.

Jorge Galeano

Jorge Galeano

Jorge Galeano. Foto: Facebook do autor

“Foi aqui que pintei meu primeiro quadro”. Este não é o único motivo que faz de Jorge Abel Galeano o argentino mais feirense do que muitos feirenses que aqui nasceram. O seu primeiro contato com a arte foi ainda na Argentina, sua terra natal, quando, aos 17 ou 18 anos, viajava pelo país em sua moto vendendo o artesanato que fazia. Um tempo depois, estudou na Escola de Belas Artes de Buenos Aires. Por já ser um artesão, os professores o tinham como um ajudante, o que o fez aprender a esculpir, restaurar, fazer afrescos, adquirir maior conhecimento sobre as técnicas de pintura. Já formado e em meio ao clima pesado da Ditadura Militar na Argentina, Galeano decidiu, aos 26 anos, viajar pelo mundo com um quinteto de música latino-americana (porque, além de artista plástico, “também sou músico”) e quando passou pela Bahia, soube que voltaria pra cá. De fato, voltou. Passou um tempo em Salvador e veio para Feira de Santana, inicialmente para trabalhar como diretor de arte na recém-iniciada TV Subaé. Passados 2 ou 3 anos, começou a pintar por conta própria.

Galeano tem hoje um bem fornido currículo como artista plástico e uma obra que borbulha cores próprias e uma peculiar mistura do sertão com a cultura andina, a sua relação com o solo e a natureza. Esta relação é o que melhor define o espaço onde vive há 17 anos: uma chácara no bairro Pampalona. “O pessoal, quando vai fazer um bairro, desmata tudo, corta tudo, aí vende o terreno. Então, eu comprei meu terreno, comecei a plantar, a reflorestar (…) Aí eu comecei a plantar aroeira, cajueiro, mangueira, jaqueira.” Mais ainda, plantou um jardim e atraiu para perto de si animais que haviam ido embora: pássaros, micos, sariguês, “os habitantes desse lugar”. Segundo o próprio Galeano, começou a recriar a partir do que foi a Feira e do que poderia ter sido. “Isso é um mundo imaginário, utópico” e interfere diretamente em sua obra. Essa arte de transformar o local em global, de partilhar, de forma mágica, o seu mundo, sua utopia, compõe seus pincéis e suas telas, justifica suas séries intituladas “Meus mundos desconhecidos”, “Suíte Pampalona” e “Trópico Utópico”. Esta última, por sinal, esteve exposta no Equador, em 2014.

Galeano se sente tão feirense, que acha doloroso não ser incluído no rol dos pintores locais, em homenagens. Como bem lembra, Carybé era argentino, mas começou a pintar em Salvador e desta maneira era considerado: um artista baiano. Radicar vem do latim “radicare”, que significa “raiz”. Jorge Galeano nasceu em Concórdia, na Argentina, mas é radicado em Feira de Santana há mais 20 anos. Escolheu, pois, fincar suas raízes nesta terra de largo entroncamento. Pode dizer que é pintor feirense. “Mas feirense mesmo”.

 

Referências: Blog do autor, Programa de Olho na Cidade, Revista Sacada, Prefeitura de Feira de Santana e Esmero Cultural.

Juraci Dórea

Juraci Dórea

Juraci Dórea. Foto: Reprodução/Documentário “O Imaginário de Juraci Dórea”

Poucos artistas plásticos feirenses conviveram com a Feira de Santana das décadas de 40 e 50 como Juraci Dórea Falcão. Aquela dos tropeiros e boiadeiros, quando segunda era o “dia da feira” e a cidade se reunia para um objetivo comum. “A minha vivência foi em função dessa cultura sertaneja: dos vaqueiros, das boiadas no meio da rua”.

Juraci Dórea iniciou o contato com as artes plásticas ainda na adolescência, no ensino ginasial, quando desenvolveu alguns trabalhos com bico de pena e guache e, com a ajuda de uma professora, mostrou-os ao professor Dival Pitombo, que era um produtor cultural da cidade, “uma das pessoas mais esclarecidas”. O professor não só gostou dos seus trabalhos como o incentivou a continuar. Até que, em 1962, programaram uma exposição na Biblioteca Municipal Arnold Silva. Não só era a primeira exposição de Juraci como também a inauguração daquele espaço. A partir de então, o trabalho foi crescendo e as exposições individuais e coletivas começaram a fazer fila em seu currículo. De lá pra cá, os prêmios como artista plástico já são mais de uma dezena.

Entre seus projetos mais conhecidos está o Terra, exposto não nos salões ou mostras de arte, mas no próprio sertão, com a ideia de “devolver o trabalho para a própria região que o inspirou”. Feira de Santana, Canudos, Monte Santo e Raso da Catarina foram os quatro pontos escolhidos no sertão baiano. O Projeto Terra inspirou o recente documentário “O Imaginário de Juraci Dórea no Sertão: Veredas”, com direção de Tuna Espinheira.

Juraci Dórea é também arquiteto, formado pela Universidade Federal da Bahia – UFBA, e poeta. Como poeta, é um dos integrantes do grupo Hera. Como artista, define: “(…) acho que o artista não é aquela figura idealizada, aquela figura distante da realidade, eu tenho os mesmos problemas de qualquer cidadão comum, as mesmas angústias(…) não posso estar distante disso e nem devo.”

 

Referências: UEFS, Documentário “O Imaginário de Juraci Dórea no Sertão – Veredas” e Hera Documentário.

KBÇA

KBÇA

KBÇA. Foto: Facebook do autor.

Geziel Rafael da Silva Ramos. Esse é o nome do grafiteiro Kbça, dono dos trabalhos que há pouco temos visto pelos muros feirenses. A linguagem do grafitti é recheada de termos específicos, a exemplo do crew, que significa “grupo de grafiteiros”, do bomb, que quer dizer “grafite rápido ou ilegal, geralmente feito à noite”, e do tag, que é a assinatura ou nome do grafiteiro. Quando começou o seu trabalho, Kbça fazia parte da crew Noz, formada por colegas de colégio, e seus bombs eram letras e corações. Não precisava grafitar na noite porque iniciou seu trabalho nas paredes da periferia feirense, pra quê se esconder? Como faltava dinheiro para as latas de spray, enchiam de tinta os frascos de desodorante e iam para os muros assinar as suas tags. O grupo se afastou, mas Kbça continuou com as suas cores. Aprofundou-se na arte do grafitti e hoje participa de eventos dentro e fora do Estado. Em 2013, seu traço compôs um ambiente do Casa Cor Feira de Santana. Entre os seus trabalhos mais recentes está a representação do sertão feirense no Museu da Imagem e do Som – MIS, em Campinas-SP, e a grafitagem de um trem do Subúrbio Ferroviário, em Salvador, em parceria com Os Gêmeos e outros artistas.

Kbça é conhecedor também dos preconceitos que sofrem os grafiteiros. Chegou a ser reprimido pela polícia e foi parar na delegacia. Hoje não sai de casa sem o artigo oficial do governo que descriminaliza o grafite em diversos casos. De berço evangélico e com os pré-julgamentos da família, ele segue o que manda o seu coração. Coração que, aliás, é encontrado em muitos dos seus trabalhos. O coração, o pássaro e a figura da mulher. “Utilizo a pintura da personagem mulher como uma forma de mostrar o valor dela perante o mundo”.

Engana-se quem pensa que o que ele pretende é apenas mostrar o seu trabalho. Ensinar, mudar, interferir e aprender são as suas práticas como professor de grafite no Centro de Atendimento Socioeducativo (Case) Juiz Melo Matos: “Eu digo que lá é o meu ateliê. Converso com os meninos sobre um monte de coisas e sempre acabo levando inspiração disso”. E inspira também: certa vez, na rua, percebeu que uma senhora já idosa olhava um de seus desenhos numa parede. Sem saber que era ele o autor daquelas cores, ela puxou conversa:

– “Interessante, né?”

– “Muito. Esse cara aí deve ser bem inteligente.”

– “E não é feio, tem um negócio com arte. Deve ter uma mensagem aí.”

– “Que nada, o cara podia tá revoltado com a vida…”

– “Não, isso é amor pela arte.”

 

Referências: Instagram do autor, A Arte na Rua, Projeto 250 pessoas, Grafite em Movimento BH.

Gabriel Ferreira

Gabriel Ferreira

Gabriel Ferreira. Foto: Facebook do autor.

Embora tenha nascido na cidade de Tanquinho, foi em Feira de Santana que Gabriel Silva Ferreira deu maior corpo à sua arte. Residem em Feira, há 21 anos, o artista e a sua arte. Com formação musical em Filarmônica, Gabriel é também percussionista, amante da música regional. Estes três elementos, a pintura, o desenho e a música, são as suas veias que expressam o seu carinho “pelas coisas que emanam do povo”.

Capoeira, religião, erotismo, poesia, música: alguns dos fortes elementos encontrados na arte de Gabriel Ferreira. Este que, segundo o saudoso poeta (romancista e tantos outros adjetivos) Ildásio Tavares, “parte para uma definida vocação de pintar e realiza seu desiderato plasticamente, através de sua habilidade no manejo de pinceladas às vezes vigorosas, mas nunca frouxas, nunca guiadas pelo acaso”. Essa habilidade, esse vigor é a forma como o próprio Gabriel se reconhece ao se definir com as palavras de Salvador Dali: “Sou um estado de ereção intelectual permanente”.

Gabriel é formado em Economia pela Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS, foi coordenador do Centro de Cultura Amélio Amorim e, atualmente, é membro no Conselho Municipal de Cultura, no segmento das artes visuais. Realizou mostras individuais e coletivas, passou por salões e bienais de artes visuais e, entre os prêmios recebidos, está o Prêmio Juarez Paraíso, em 2007. Além disso, ilustra livros e revistas e é membro do Instituto Maria Quitéria – IMAQ (Projeto Griôs Sisaleiros na Região do Sisal).

 

Referências: Blogs do autor, Viva Feira, Malungo Angoleiro, Poeta Sivério Duque.