Olney São Paulo nasceu em Riachão do Jacuípe e viveu boa parte de sua vida em Feira, antes de se mudar para o Rio na metade dos anos 60. Ao longo de sua carreira, foi mais do que um entusiasta da sétima arte. Fez cinema com faca e martelo, realizando algumas das produções fundamentais para a cinematografia desse período, a exemplo de dois trabalhos, e que são os meus prediletos, Manhã cinzenta (1969) e o Sob o Ditame do rude almagesto: sinais de chuva (1976).
No caso do primeiro, um media metragem que abordava as arbitrariedades do poder de uma ditadura na vida das pessoas. Em plena ditadura militar, o filme renderia ao cineasta uma prisão em virtude da Lei de Segurança Nacional. Proibido no Brasil de então, o filme se apresenta hoje como de fundamental importância para a compreensão do Brasil durante a ditadura e também dos dias atuais, diante do florescimento daninho do fascismo que ronda nosso dia-a-dia.
Antes de mais nada, Manhã cinzenta é um filme espetacular: belo, ousado, crítico e surpreendente. Existe um trabalho fundamental feito recentemente pelo cineasta Henrique Dantas, e que aborda justamente essa produção de Olney. O longa chama-se Sinais de Cinza, A Peleja de Olney Contra o Dragão da Maldade, e é uma bela homenagem ao cineasta baiano.
Para Nelson Pereira dos Santos, o documentário O ditame do rude almagesto: sinais de chuva (1976) é um dos pontos marcantes da obra do Cineasta. Em suas palavras, ao ver o curta metragem, era capaz de imaginar Olney usando “chapéu de couro, no raso da caatinga, conversando com os ventos”. Gravado em Riachão do Jacuípe, o curta metragem tem um papel fundamental dentro da cinematografia Olneyliana.
Adaptação de uma crônica de Eurico Alves Boaventura, também intitulada Sob o Ditame do Rude Almagesto, o curta assimila características próprias do texto do cronista feirense. A polifonia das vozes, que no texto constitui uma miscelânea de opiniões sobre o saber sertanejo, no filme ganha uma conotação bem especial: o de apresentar os sertanejos como portadores de um conhecimento em diálogo com o espaço. É interessante observar como o homem é apresentado, tanto em uma perspectiva comum à Literatura Modernista, quanto ao do próprio Cinema Novo: a do confronto entre a natureza, na luta do homem em adaptar e transformar seu espaço.
É assim que, no documentário, o cineasta constrói um aspecto quase que mitológico do sujeito sertanejo, imerso na paisagem, sendo raras as vezes em que a natureza é apresentada sozinha. O homem é aquele que dá sentido ao espaço, pois sem o homem nada daquilo faz sentido. É assim que o gado minguado é o objeto da labuta, bem como a terra plantada pelo homem. As crianças ocupam os espaços da casa e a família sendo a melhor referência para a obrigação de cuidar, persistir e vencer na terra que pertence ao homem desde sempre.
Em especial, Olney São Paulo pensa o cinema como resultado de uma articulação entre o tradicional e o moderno, buscando afirmar que, assim como na oralidade, o cinema se constrói por elementos contemporâneos, numa articulação com o saber tradicional. No filme, parece existir uma predileção pela oralidade como forma de extrapolar os limites do conhecimento, evidenciando, entre outras coisas, o papel do artista no seu tempo, como um ente em constante articulação com seu espaço, centrando sua voz no sertão e para além dele.
Em última instância, Olney busca evidenciar o poder de registro que o cinema oferece. Entretanto, mais do que um registro de pesquisa, constrói um mosaico poético dos desejos sertanejos, uma espécie de alento ante os ditames da natureza, diante dos limites dos sertanejos, no jogo diário de prever o imprevisível, diante do confronto comum a todos de se criar por meio daquilo que se conta, de se narrar por meio de nossos dilemas e limitações. É assim que o cineasta pensa o cinema como em um ensaio, atentando para os limites da arte de representar seu tempo e seu espaço. Nessa perspectiva, o Almagesto, palavra árabe para designar O Maior, uma possível referência ao tratado astronômico de Ptolomeu, não é somente uma forma de apresentar o rude no ofício do sertanejo de vaticinar o tempo, mas uma licença poética para falar do cinema como quem quisesse contar para o vento e para além dele.
Assista abaixo O ditame do rude almagesto: sinais de chuva (1976):
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