“A estrada de ferro de Feira de Santana a Cachoeira tinha de comprimento 48 quilômetros e de bitola 1,067 metro. O material rodante consistia de 56 unidades: seis locomotivas, três carros de primeira classe, quatro de segunda, um carro imperial, dois carros de bagagem e 40 para transporte de gado e da carga” – é assim que o historiador Rollie Poppino descreve a estrada de ferro de Feira de Santana, inaugurada em 1876 e extinta em 1964.

Inicialmente, a estação ficava atrás da Igreja Matriz, onde hoje funciona o Feiraguay. Naquela época, a região era basicamente o limite da zona urbana de Feira. Ainda segundo Poppino, a estrada foi um sucesso imediato. No primeiro ano de operações a companhia que operava a linha, a londrina “The Brazilian Imperial Central Bahia Railway Company Limited”, transportou mais de 25 mil passageiros e quase 6 mil toneladas de carga, principalmente fumo e gêneros alimentícios para os mercados da capital e das cidades do Recôncavo.

Estação Ferroviária de Feira

Estação Ferroviária de Feira (onde hoje é o Feiraguay). Conta-se que a foto foi tirada quando os feirenses aguardavam a visita do jurista Ruy Barbosa.

O tráfego de passageiros foi uma consequência da velocidade do transporte ferroviário. Por causa da estreita colaboração com os serviços marítimos da Baía de Todos os Santos, a viagem para Salvador durava menos de sete horas. Assim, tornou-se possível ir de Feira à capital pela manhã e voltar na manhã seguinte.

A estação ferroviária de Feira de Santana

A estação ferroviária “velha” de Feira de Santana ao lado, e ao fundo, da Igreja Matriz.

O trecho entre Cachoeira e Feira de Santana foi o primeiro aberto, no ano de 1876. Em 1942, com a remodelação geral das linhas da região, o trecho entre Conceição de Feira e Feira de Santana passou a ser um ramal, que foi extinto oficialmente em 1975, mas que não operava, pelo menos com passageiros, desde 1964.

Mapa das ferrovias na Bahia

Acima, o mapa das ferrovias em 1900 (em preto). Em vermelho, o que restou após 1940.

A estação nova

Em 1958, a estação “velha” foi desativada e uma nova estação foi construída em ponto mais afastado, isolado na época. A estação ficava onde hoje é a Avenida João Durval Carneiro, ao lado da feirinha do bairro Estação Nova – que recebeu esse nome graças ao ponto da ferrovia em Feira de Santana.

A nova estação deveria servir de saída para a jamais construída extensão da linha para Alagoinhas. Depois de funcionar por poucos anos e ser desativada em 1964, inicialmente serviu de sede para o Funrural, depois foi abandonada e demolida.

A estação nova

A estação “nova”, já abandonada na década de 90.

Tudo indica que a área da estação foi vendida para pagar dívidas trabalhistas com os ferroviários. Após a demolição, foi construído um estabelecimento privado no local.

Há quem diga que a estação nova foi projetada por Oscar Niemeyer, mas não há elementos que possibilitem afirmar essa versão. A Fundação que mantém viva a memória do arquiteto que projetou Brasília, não registra qualquer trabalho de Niemeyer em Feira de Santana.

Estação nova

A frente da demolida estação “nova”. Há quem diga que foi projetada por Oscar Niemeyer.

Atualmente é muito difícil conhecer quem tenha passeado nas locomotivas feirenses, mas encontramos um relato bem espirituoso do jornalista, jurista e poeta Antonio do Lajedinho:

“Na minha infância, na década de 30, Feira de Santana tinha uma grande Estação Ferroviária que, por faltas de rodovias, (em 1930 só existia um carro em Feira) tornara-se o principal meio de transporte de passageiros, cargas e gado, e o
ponto chave do comércio. Situada no fundo da Igreja Matriz (hoje Catedral), quase no centro da Cidade, tinha seus movimentos acompanhados pela comunidade, a qual identificava, pelo apito da máquina, se era trem de passageiro ou carga. Duas ou três vezes por semana saía uma composição com passageiros para Cachoeira, como outras tantas vezes vinham de Cachoeira.

Durante o dia animais de carga e carroças levavam e traziam cargas, vaqueiros embarcavam e desembarcavam gado, enquanto aqueles que tinham o tempo livre, principalmente estudantes que faziam dali um ótimo local de lazer. Era como se fosse uma rodoviária atual, onde alem de passageiros, desembarcassem e embarcassem cargas e animais, sem outro local de escoamento. Nos dias de segunda-feira os trens chegavam carregados com gente, mercadorias, porcos, galinhas e toda produção de Tapera, Magalhães, São Gonçalo, Conceição da Feira, Cachoeira e São Felix. Era uma festa!

Eu, além de um assíduo freqüentador mirim, sempre levava no bolso um bodoque de caça, vez que os fundos da Estação eram um matagal onde as pombinhas costumavam relaxar a vigilância. Foi em uma dessas caçadas que testemunhei um triste acidente na ferrovia: era uma ensolarada tarde de verão e eu acompanhava as manobras que uma máquina fazia na substituição de vagões carregados, quando surgiu uma “calanga” verde, com um comprido e lindo rabo dourado. Ela tinha uma maneira elegante de andar, com um harmônico ondular do rabo. Alguns metros atrás , com a cabeça apoiada no trilho da estrada, um galante calango não perdia os movimentos daquele maravilhoso rabo dourado. Tão absorto estava que a roda da locomotiva surpreendeu-o decepando-lhe a cabeça. Pobre calango: por causa de um rabo bonito, perdeu a cabeça…”


Leia mais sobre as ferrovia feirense e outras ferrovias no site www.estacoesferroviarias.com.br.

A foto, de Antonio Magalhães, na capa deste artigo é de uma das locomotivas que operou em Feira de Santana.