É recorrente a reclamação dos brasileiros acerca da qualidade dos serviços públicos prestados ao cidadão, principalmente em áreas que são imprescindíveis para manter um patamar mínimo de sobrevivência, como a saúde, educação e segurança pública. Em muitos casos, além de pagar pelos impostos que obrigam o Estado a dar o devido retorno com a assistência necessária, muita gente decide destinar parte da sua renda para pagar por serviços privados, tentando evitar os transtornos que podem custar muito (até a vida), caso a única alternativa seja o serviço público.
É o caso de 117.338 beneficiários de planos de saúde particulares em Feira de Santana, que decidiram bancar do próprio bolso pelo menos parte dos serviços de saúde que teriam direito a usufruir, caso não houvessem precariedades na assistência dada pelo poder público. Esse número indica que, de cada seis feirenses, um é beneficiário de plano de saúde.
Os dados são da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que aponta um crescimento vertiginoso na busca por planos de saúde privados no município entre o ano 2000 (ano mais antigo que a Agência fornece os dados) e 2016:
Isso significa que, entre 2000 e 2016, Feira teve um crescimento de 162% na quantidade de beneficiários de plano de saúde. No mesmo período, de acordo com o IBGE, a população feirense cresceu 29%.
Comparando com o Brasil e com a Bahia, o crescimento em Feira de Santana é significativamente maior:
O que dizem os gestores
Apresentamos esses números a alguns gestores e analistas de saúde pública em Feira de Santana, para obtermos algum esclarecimento sobre o que eles apontam. O Diretor do Hospital Clériston Andrade (gerido pelo Governo do Estado), José Carlos Pitangueira, contesta os dados: “Esses dados fornecidos pela ANS não conferem com o crescimento no número de pacientes que recebemos todos os dias, muito pelo contrário, temos uma demanda muito grande, e não necessariamente de pessoas de renda baixa, mas também atendemos empresários e pessoas de posses que procuram unidades públicas de saúde”.
Segundo ele, a grande procura pelo Clériston se deve “à falta de suporte necessário das operadoras de planos de saúde na cidade, principalmente pela quantidade de hospitais particulares oferecidos a essa quantidade de demandatários de planos”.
Já a Secretária Municipal de Saúde, Denise Mascarenhas, aponta que muitas vezes as pessoas contratam um plano de saúde particular somente pelo fato de pagar uma quantia irrisória para consultas, mas na maioria das vezes procuram as unidades do município, principalmente quando as questões são relacionadas a exames e procedimentos: “os dados fornecidos vão de encontro à demanda que temos todos os dias em nossas policlínicas e postos de saúde. Se existe um crescimento tamanho na quantidade de pessoas aderindo aos planos de saúde na cidade, consequentemente, o número de pessoas procurando as unidades de saúde iria diminuir, e isso não acontece. O motivo desse crescimento deve estar relacionado às marcações de consultas por valores irrisórios, e as pessoas que procuraram o SUS não querem esperar, e acham mais fácil fazer uma consulta pagando 20 reais e realizar os exames e procedimentos necessários desta forma. Então esse crescimento não é relevante em nossa cidade”, destaca.
Os números da Agência Nacional de Saúde Completar agregam todos os tipos de planos de saúde de assistência médica, exceto planos dentários, que atuam em Feira, independentemente da sede da prestadora. Visitamos um plano de saúde feirense, que apontou o nicho infantil como a principal procura na cidade: “A situação econômica que se encontra nosso país fez com que as demandas de conveniados diminuísse, contudo, ainda assim, as pessoas que procuram planos para crianças é sempre crescente. As pessoas reclamam quanto à demora nas marcações das consultas e do quadro de profissionais nas urgências e emergências”, diz a diretora do plano, que não quis ser identificada.
Por que aderir a um plano de saúde?
A pedagoga feirense Ramona Souza conta que procurou fazer um plano de saúde para sua filha de dois anos pela demora nas marcações de consultas: “Gosto de fazer o acompanhamento mensal de minha filha no tempo certo, e sei que isso não seria possível pela rede pública. Então aderi a um plano para não necessitar passar por essa questões. Existem fatores negativos, mas para o meu objetivo é valido, e atende o meu interesse”.
A empresária Valeria Azevedo disse ao Feirenses que a saúde é uma necessidade básica, e ela sempre priorizou o atendimento selecionado e especializado, coisa que não se encontra com facilidade no SUS. “Sei que muitas vezes encontrar algum tipo de especialista demora um pouco, mas, no geral, encontro mais rápido do que se fosse num posto de saúde. Acho válido o trabalho do SUS, porém, eu sempre tive e usei com frequência meu plano de saúde e hoje não me vejo usando um sistema pelo qual é notória a falta de sensibilidade em alguns casos”.
Com Doutorado em Enfermagem e especializações em Saúde Pública e Administração Hospitalar, a Diretora do Departamento de Saúde da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), Silvone Santa Bárbara da Silva, aponta que os planos de saúde populares tiveram, de fato, um aumento significativo na quantidade de beneficiários nos últimos anos, mas lembra que o SUS ainda é indispensável: “O Ministro (da Saúde) Carlos Barros, em uma recente entrevista, defendeu os planos populares, mas as colocações dele vão de encontro com o trabalho desenvolvido pelos planos de saúde, que muitas vezes não oferecem ao paciente o cuidado necessário”.
Segundo ela, no cenário onde boa parte da população busca os planos de saúde, é necessário ressaltar a importância da Saúde Pública: “A crise econômica de nosso país também não permite que os cidadãos utilizem um plano mais completo. Posso afirmar que esse crescimento considerável em Feira de Santana pode se dar no leque de planos populares que existem, mas mesmo assim não diminuiu o fato de que 95% de cirurgias cardíacas realizadas hoje em nossa cidade são através do SUS”.
“É porque quando pensamos em saúde, pensamos muito na consulta, mas o SUS é algo mais amplo. Ele precisa ser melhorado, aperfeiçoado, mas também temos que dar a mão à palmatória e afirmar que é um sistema que busca e consegue fazer o melhor em muitos casos.”, diz ela, e alerta: “não são os planos de saúde que irão melhorar a atenção à saúde da população”.