Eu tinha 14 anos de idade. Era uma terça-feira, último dia da Micareta naquele ano. Saí às 14h e fui brincar. 17h voltei para tomar banho e comer algo, para retornar uma hora depois. Quando eu estava saindo, Dona Ivone, minha mãe, ordenou: “hoje é o último dia. Volte às 23h30”.
Era pedir demais; eu, folião convicto, festa terminando, chegar cedo assim? Ao adentrar o centro da folia, me deparei com a concentração das escolas de samba: um luxo só. Acompanhei todo o desfile até a derradeira agremiação, Escola de Samba Marquês de Sapucaí, na qual eu havia sido passista no ano anterior (essa história contarei depois). Ao final, fui atrás dos trios elétricos, um mais bonito e animado que o outro.
Depois de muito brincar, voltei pra casa, bem depois do horário marcado pela matriarca, Ivone. Estava certo que quem atenderia a porta seria uma irmã. Grande engano: só vi quando mãe abriu e perguntou: “que horas são?”. Eu, cara de pau, respondi: “acho que umas 23h35”. Ela fitou meus olhos e disparou: “eu, sua mãe, professora, não sei olhar as horas?”, e completou: “são 03h20 da madrugada. Você vai dormir ai no rol de casa!”.
Gelei da cabeça até a alma. Fiquei sem dizer uma só palavra. A coroa entrou e trancou a porta. Só me restou a alternativa de deitar, me enrolar num pano de chão bem pequeno que não cobria nem metade do corpo da criança. Pensem no frio, no sono e na fome? Mas o calvário ainda estava por vir.
Às 6h40, meu famoso tio, Edvaldo Ribeiro Falcão, o conhecido Nino, ao acordar, abriu a porta, e, se deparando com a inusitada cena, no seu jeito escandaloso, gritou: “Ivooonneeee! Tá lá, um corpo sujo estendido no chão!”. Entrei em casa, na intenção de tomar um banho e me alimentar. Em vão, pois Ivone me arranjou um monte de coisas pra fazer. Varrer o quintal, comprar pão, ir ao mercado, lavar o local onde dormi (sob a alegação que eu havia sujado com o suor do corpo), cortar a grama do pequeno jardim, varrer e lavar o passeio, botar o lixo na porta e passar pano na casa.
Resumo da ópera: só às 11h eu fui alforriado para tomar banho e dormir, mesmo assim com o aviso de que, se acordasse depois das 14h, não iria almoçar. Assim sendo, não peguei no sono, para esperar a gororoba, e só depois fui sonhar na cama.
Arrependido? Nem um pouco. Faria tudo de novo, pois este foi o melhor castigo que minha mamãe me deu. Tudo pela minha Micareta!