Que os anos de 1970 foram, de modo geral, bastante conturbados, isso não é novidade para ninguém, todavia, poucas épocas nos deixaram um legado de diversidade musical tão grande. Seja com o fim do classic rock ou com o nascimento da discoteca, da incorporação de instrumentos eruditos ao rock’n’roll, à revitalização do samba carioca, ambos iniciados no final dos anos 60, a década de 70 também se responsabilizou por muitos outros “resgates”, entre eles, o da música nordestina.
Na segunda metade da década de 70, muitos artistas surgiram com a proposta de trazer de volta o que havia de mais “puro” e “enraizado” em nossa cultura, principalmente em nossa música. Para isso, valeram-se do pífaro, da rabeca, da viola de sete cordas, da zabumba, etc., mas também dos ritmos e das melodias da tradição ibérica, do cancioneiro popular português e da poesia medieval.
O resultado foram discos que tanto apelaram para o mais tradicional possível, a outros álbuns que misturavam o cancioneiro popular à música dos hippies, que valorizavam a sanfona e a viola, mas não dispensavam, à medida do possível e do conveniente, a guitarra elétrica e os ritmos da boites…
10 QUINTETO ARMORIAL – Do Romance ao Galope Nordestino (1974)
Primeiro álbum do Quinteto Armorial, principal expoente do Movimento Armorial, lançado pelo selo independente Discos Marcus Pereira, em 1974. O Movimento Armorial foi arquitetado por Ariano Suassuna, em 1970, com o intuito de criar uma arte original e profundamente nordestina, mesclando influências ibéricas com tradições tipicamente nordestinas, que, segundo o próprio Suassuna, se “desdobraram, além das heranças culturais trazidas pelos negros e das aprendidas com os indígenas, criando uma obra, a um só tempo, popular e erudita”. Trazendo músicas de mestres como Guerra peixe e Capiba, o Quinteto Armorial ainda nos brinda com as vozes e o instrumental de nomes como Egildo Vieira e Antônio Nóbrega.
“O Movimento Armorial foi arquitetado por Ariano Suassuna, em 1970, com o intuito de criar uma arte original e profundamente nordestina”.
20 ELOMAR – …Das barrancas do Rio Gavião (1973)
Uma das obras mais importantes do cantador de Vitória da Conquista, na Bahia, o grande Elomar Figueira de Mello. Há pouco, uma das canções desse disco, Incelença do amor retirante, voltou às chamadas “paradas de sucesso” com a novela Velho Chico, da Rede Globo. Algumas das canções mais conhecidas de seu cancioneiro se encontram nesse álbum, mas, principalmente, acompanhado apenas de sua “viola”, Elomar nos ostra que alguém grande como ele a si mesmo se basta… Ele e o que de melhor a música dessas caatingas tem a nos oferecer. Na contracapa deste disco, o poeta Vinícius de Moraes escreveu: “Quando lhe manifestei desejo de passar uns dias em sua companhia e de sua família… para descobrir, em sua companhia e ao som do excelente violão que toca, essas estrelas recônditas que já não se consegue mais ver nos nossos céus poluídos, Elomar me disse: – ‘Pode vir quando quiser. Deixe só eu ajeitar a casa, que não está boa, e afastar um pouco dali minhas cascavéis e minhas tarântulas…’”
30 DIANA PEQUENO – Eterno como areia (1979)
Uma verdadeira diva, hoje, infelizmente, quase esquecida, mas que embalou muitos corações repletos de sonhos, esperanças e cabeças cheias de Bob Dilan – é de Diana Pequeno a mais famosa versão brasileira para a canção Blowin’in the Wind, de nosso mais recente ganhador do Nobel de literatura (rsrs). Diana Pequeno pode se orgulhar de não ter padecido da famosa síndrome do segundo disco, pois neste registro cumpriu e superou as promessas e expectativas geradas por seu primeiro trabalho, lançado com sucesso no ano de 1978. De fato, o que se ouve ao longo do LP é a ancestral voz do sertanejo, das gentes do campo, com suas labutas, suas lutas, crenças e valores a nortearem sua existência. E há nomes como Elomar, na belíssima Campo Branco, passando por Carlos Pitta, em Travessei, Moreno, e visitando o folclore popular de Pernambuco, na canção Camaleão… Diana Pequeno é, para mim, uma das baianas mais arretadas de nossa música.
“Uma verdadeira diva, hoje, infelizmente, quase esquecida, mas que embalou muitos corações repletos de sonhos, esperanças e cabeças cheias de Bob Dilan”
40 ALCEU VALENÇA & GERALDO AZEVEDO – Quadrafônico (1972)
A música popular nordestina encontrou a psicodelia com este disco de 1972, fruto da união de Alceu Valença com Geraldo Azevedo, que, apesar do sucesso do disco, logo correram carreiras solo. Aqui a música nordestina encontrará a guitarra à la Hendrix, o rock se permitirá a um casamento perfeito com o baião e a ciranda. Destaco aqui a sexta canção do disco, chamada Planetário, composição com a qual Alceu se inscreveu em vários festivais no início da carreira. Bom, o arranjo me lembra muito o som do Pink Floyd do final dos anos 60, com o ritmo pulsante, quase giratório, confuso e cheio de sensações… agravação começa bem antes do “play”, quando Alceu ainda se prepara para cantá-la…. A canção, no entanto, tem a cara do Brasil e do Alceu, com algumas passagens tímidas de pífano e a letra surreal: “E essa lua é de gesso ou de isopor…?”
50 CARLOS PITTA – Águas do São Francisco: Lendas (1979)
E para terminar, nada como a “prata da casa”… O feirense Carlos Pitta, em seu primeiro álbum, lançado em 1979. As composições do disco centram-se no rico universo dos modos, costumes e paisagens do sertão transfigurado em lenda e poesia, inserindo-se na ancestral tradição dos cantadores que trabalham e retrabalham as cantigas e trovas medievais trazidas pelos portugueses e incorporadas à alma sertaneja, em resumo, nada como uma boa influência do Quinteto Armorial. Configurando-se como um cuidadoso trabalho conceitual, desenhado aos modos de um disco-cordel, o álbum contou com as participações de Roze, Dércio Marques, Bendegó e Oswaldinho do Acordeon e tem sua capa assinada por ouro grande artista feirense, o pintor e poeta Juraci Dórea. Destaco de cara a primeira canção do LP: O Reino das Águas Barrentas e os Desafios do Amor.