Decorridos seis meses do novo regime, quem se fia no discurso corrente pode já ir ficando tranquilo: a partir de agora, tudo vai engrenar no Brasil. Multidões de investidores ávidos despejarão em solo tupiniquim seus dólares, gerando milhões de empregos e bilhões em riqueza. Ingressaremos numa vertiginosa era de prosperidade. Para azeitar tudo, bastará sair privatizando o que resta do patrimônio público.
Também pagaremos poucos impostos. Com as privatizações, finalmente teremos serviços de primeiro mundo. E tudo a preços módicos, nada dessas tarifas extorsivas cobradas pelo Estado. Será divino: carga tributária de paraíso fiscal e serviços públicos com qualidade nórdica. E melhor ainda: sem os deploráveis vícios socialistas do norte da Europa.
Água farta e barata, saneamento em todos os quadrantes, estradas irretocáveis, hospitais cinematográficos, educação compatível com aquela ofertada nos países mais prósperos. Estamos a um passo disso: basta reduzir a presença do Estado e remover quaisquer obstáculos à iniciativa privada. Inclusive essa coisa de legislação, que só atrapalha quem quer produzir.
Todos terão o direito de montar seu próprio negócio: churros, frango assado, milho cozido, salgados, refrigerante, água mineral; com essas medidas, todo empreendimento tende a prosperar nalguns poucos anos, convertendo-se em dinâmica fonte de renda. Muitos se transformarão em portentosas empresas.
O paraíso liberal na economia nos aguarda logo ali, na próxima curva da História.
Esses avanços, porém, exigem têmpera e disciplina nos costumes. Todos têm que abraçar o cristianismo desde já. Não apenas como religião, mas, sobretudo, como filosofia de vida. Afinal, o legado de Jesus Cristo é prenhe de ensinamentos sobre como ganhar dinheiro, prosperar, ficar rico. Esse é, afinal, o objetivo do cristianismo e de todo cristão piedoso.
A devassidão, que nos fragiliza, tem que ser abolida. A família tradicional – homem e mulher unidos pela unção divina – que alguns debochados no passado classificavam como “careta”, sinaliza o futuro radioso. “Gênero” é artigo perigoso, que não deve ser discutido. Para tanto, é até admissível algum Estado com a finalidade de controlar e evitar excessos na vida privada.
O amor à Pátria é ingrediente essencial no nosso futuro. Os hinos patrióticos, a reverência aos nossos símbolos, o culto aos nossos heróis, a exaltação das efemérides pátrias, tudo isso vai nos inspirar e aprofundar nosso respeito. E a reverência às Forças Armadas, às nossas polícias? Será dever de todo patriota. E todos nós seremos patriotas.
Enfim, é luminoso o destino desse País: liberal na economia, conservador nos costumes e, sobretudo, cioso dos seus deveres patrióticos. Receita moderna, que começa a se irradiar pelo mundo. Países avançados já se alinham a parte dessas diretrizes – Síria, Iraque, Afeganistão, Polônia, Hungria, Emirados Árabes – mas caberá uniformizá-las num todo consistente.
Sinal que, talvez, estejamos fadados a liderar, mundialmente, essa guinada civilizatória.