Tudo começou com uma ideia simples: fazer uma batalha de rima. Era uma caixa de som, duas pessoas batalhando e muito rap. Pelo menos era o que LM e Daniel pensavam, mas o projeto despretensioso se transformou num movimento: “A partir do projeto da batalha a gente conseguiu movimentar a cena de forma geral, conseguiu de fato unir vários nichos em prol de uma intenção. A gente conseguiu fazer, aos poucos, a galera entender que queremos fortalecer os artistas locais da cena. Mas, mais do que um projeto, o evento é um movimento. Até porque ele não é fixo, ele vai mudando, se transformando, se desenvolvendo, entrando novas pessoas pra agregar, vamos pensando novas estratégias pra fazer acontecer…”. Foi assim que surgiu a Batalha do Feira 6, que acontece no último domingo do mês, na praça do Feira VI, onde ocorrem shows, performances, DJ sets e, óbvio, batalha de Rap.
Desse movimento, gerou-se uma gestão colaborativa. Além de Daniel, hoje encarregado pela captação de patrocínios e premiações, e LM, que é o DJ da Batalha, o evento conta com uma equipe de mais sete voluntários: Caw, responsável pela equipe de moda; Ester, que cuida da parte financeira; Kaleb, com a captação de mídia; Pétala, encarregada das mídias sociais e equipamentos de proteção individual (EPI’s); Sinistro, que também cuida do financeiro e dos EPI’s; Vulgogal e Zau, também responsáveis pelas mídias sociais. Amigos antes mesmo da Batalha nascer, a gestão acredita que o hip-hop é um movimento cultural para além da música e da dança: “Hip-hop é liberdade, e foi a partir das nossas vivências que percebemos isso, do lugar que cada um veio, do que cada um trouxe de bagagem… a gestão funciona porque as vivências se cruzam e cada um respeita a história do outro. Isso é hip hop! Tem uma galera da gestão que tá no corre há muito tempo, são vivências que fundamentam o que a gente quer passar. O hip-hop é vida!”.
Não há restrições para o público da Batalha, lá encontramos de crianças a idosos e é o respeito que prevalece, inclusive nas estratégias de recepção: “A gente vai pensando como é que podemos trazer esse público, como a gente pode agregar essa pessoa aqui, como a gente pode colocar novos artistas… não era nossa intenção ter um brechó na hora da batalha, por exemplo, mas rolou. A galera do brechó conseguiu um edital e perguntou se podia expor na praça com a gente. A gente atraiu de alguma forma.”. Hoje a Batalha une diversos tipos de manifestações artísticas com exposições de trabalhos que passeiam pela moda e arte visual e, inclusive, os artistas colaboram fazendo doações de seus trabalhos para os prêmios oferecidos para o primeiro, segundo e terceiro lugares da batalha de Rap. Além dos custos dos eventos serem cobertos através do pix solidário, feito pelo próprio público.
Seguindo o fluxo e difundindo liberdade e respeito, a Batalha do F6 não para de impulsionar: “O rolê cresce de forma orgânica, em todos os sentidos! Tanto nas redes sociais, que a gente não faz basicamente nada pra engajar, só que o público acompanha tudo que a gente posta… a galera quer ver, quer tá lá, quer compartilhar, sabe? Temos equipe de mídias sociais, mas não é algo que a gente tem que criar estratégias mirabolantes, é só o interesse das pessoas que colam, que gostam e vivem hip-hop, que foram colocando a parada pra frente. Isso não só nas redes sociais, como no rolê mesmo. No primeiro evento era só uma caixa de som, na nossa última edição tivemos um palco, estrutura. Na primeira vez o banheiro do bar que apoiava a gente, na última já tivemos dois banheiros químicos. Pequenas coisas que na verdade não são tão pequenas assim, faz a gente perceber que o evento cresce em conjunto com o interesse do público.”.
A relação da Batalha com o público é uma via de mão dupla não só pelo entretenimento oferecido e apoio devolvido: “Não tem outro rolê igual a Batalha! É um lugar que dá espaço pra artistas periféricos feirenses que não têm outra oportunidade, sabe? São várias coisinhas que vão tornando o rolê mais forte. Sem falar nas pessoas que a gente viu nas primeiras batalhas e duas, três batalhas depois já estavam no palco aberto. Hoje já estão gravando, organizando outras batalhas em outros bairros. Gente que consumia, que via o hip-hop, e percebeu que também pode fazer parte!”. Isso só prova o caráter de desenvolvimento e articulação da arte periférica através da cultura do hip-hop, que é, sobretudo, política: “No hip-hop vem uma ideologia política também, e quem cola são pessoas que pensam parecido, as pessoas que batalham e se apresentam sabem o que todo mundo ali quer ouvir.”.
“Quem tá lá são pessoas majoritariamente da periferia, pretos e pretas.”
Como todo lugar de exposição de ideias, a Batalha do F6 passa por enfrentamentos: “O cenário político atual não prioriza o tipo de atividade que a gente faz, não prioriza a própria cultura. A gente já foi interrompido uma vez pela polícia e sabemos que diz respeito não só ao que a gente faz, mas a quem frequenta também. Quem tá lá são pessoas majoritariamente da periferia, pretos e pretas. Deixar essas pessoas se reunirem é um confronto pra eles, a gente sabe que historicamente esse lugar é uma reunião de pensamentos, posicionamentos, ideologias que é muito perigoso pra eles, mas pra gente é um lugar de acolhimento, de fortalecimento.”.
Mas essa não é a única adversidade que a gestão encontra na realização do evento. Antes da Batalha acontecer na Praça do Feira VI, o local estava quase abandonado, sem manutenção e com muita sujeira. Além de não ter iluminação adequada não só para a realização do evento, como para a ocupação do espaço considerando outras formas de lazer da comunidade: “A gente não é muito conformado com essa parada assistencialista, a gente fazer as coisas que a prefeitura, que o governo deveria tá se preocupando. Mas esperar deles também não é uma opção! Então a gente faz as coisas da forma que a gente consegue.”. A manutenção da praça é feita através de mutirões encabeçados pela gestão e a iluminação é reforçada através de pontos cedidos por comerciantes da praça nos dias de evento.
Apesar de encontrar artifícios para os problemas mais urgentes, a equipe ainda enfrenta questões ainda não solucionáveis na cidade de forma geral: “A gente já se reuniu com a Secretaria de Cultura, temos o apoio político de Jhonatas Monteiro e Marcela Prestes, que sempre tentam ajudar… a gente tenta correr atrás de uma documentação pra garantir nosso embasamento, até porque as autoridades sabem que o rolê tá acontecendo. Só que hoje em Feira de Santana não existe um modelo de documentação próprio pra eventos culturais em espaço público. É uma preocupação nossa porque só queremos fazer o rolê acontecer e que todo mundo se divirta, sem ser desrespeitado ou violentado de alguma forma. Fazer projetos culturais em Feira é uma eterna batalha, a batalha da Batalha! O que a gente tem hoje são apenas ofícios que reunimos pra fazer o evento acontecer da forma mais tranquila possível.”.
Além de todos os enfrentamentos, a gestão da Batalha do Feira 6 ainda encara o fato de realizar um evento em meio à pandemia. Um evento ao ar livre, com mais espaço para o público se locomover e manter o distanciamento social, é melhor e mais recomendado, porém, não garante a segurança de todos. Por isso, eles têm uma equipe de EPI’s: “Nós estamos sempre disponibilizando máscaras pra galera e ressaltando também a importância do uso da máscara e da higienização das mãos. Mas isso vai também da consciência do público, ficamos um pouco dependentes disso. O que nos faz ficar preocupados enquanto gestão se aquilo tá sendo seguro pra todo mundo. Mas a gente tá sempre lembrando que é um pacto social!”.
“O evento não visa nada material, ele proporciona, para além do lazer, do entretenimento, da cultura, esperança pro povo de Feira.”
Diante das adversidades de realizar um evento gratuito, em praça pública, destinado principalmente à população periférica, sem nenhum tipo de retorno financeiro e para disseminar a cultura do hip-hop que, por si só, sofre uma série de preconceitos, a gestão da Batalha do F6 não se abate: “A perspectiva de crescimento não sabemos, mas as demandas vêm chegando grande e vêm sempre do público. A galera de Feira tava precisando disso, e quem constrói a Batalha são eles! Eles que colam, eles que votam nas enquetes, que opinam quem vai tá na line-up, que mandam o som que estão escutando do bairro deles… o evento não visa nada material, ele proporciona, para além do lazer, do entretenimento, da cultura, esperança pro povo de Feira. Promover arte e cultura é promover saúde, né? As vezes as pessoas trabalham o mês todo pensando em ir pra Batalha no fim do mês. E pra nós, vale muito a pena promover saúde dentro da nossa cidade, do nosso bairro!”.
“Ainda nos falta recurso, e a falta de recurso está associada a falta de visibilidade e de reconhecimento. Não adianta a gente se manter no foco só de um lugar, dentro da nossa bolha, do nosso bairro. O rolê é pra nossa comunidade, mas faltam pessoas de fora dessa bolha pra ver o potencial que todo mundo que frequenta a Batalha tem. É só você colar lá pra ver que tem várias cabeças criativas, de todas as áreas. A gente precisa desse reconhecimento da mídia pra abrir outras portas e nosso trabalho vai estar completo. O movimento é além de um rolê na praça! Essa motivação cultural que a gente vê historicamente nunca vai parar de acontecer, independente do apoio e visibilidade da grande mídia. Nunca vai deixar de acontecer porque sempre vai ter gente com ideia na cabeça ocupando e tendo o que mostrar, o que promover. A gente não vai desistir!”.
Fique atenta(o) às redes da Batalha (twitter, tiktok e instagram), procurando por @batalhadof6. Se quiser conferir as batalhas que aconteceram nas edições anteriores é só ir no canal do Youtube deles, que tá recheado com material da Recreio Films, apoiadora do evento. E quem tiver interesse em doar qualquer valor pra fazer a Batalha continuar acontecendo é só mandar no pix: batalhadof6@gmail.com.