Feira de Santana tem uma tradição importante no campo das artes plásticas, com artistas de reconhecimento nacional, a exemplo de Juraci Dória e Raimundo de Oliveira, que usaram Feira de Santana, seu povo, seu ambiente e seus costumes como referência estética para desenvolver suas obras.
A boa notícia é que essa tradição vem sendo honrada e transformada por uma nova geração de artistas, de origens e identidades diversas, que vem ampliando o espectro de significados nas artes plásticas feirenses. Uma dessas artistas é a feirense Emilly Reis, com quem fizemos uma entrevista exclusiva. Confira a seguir.
Feirenses: como começou sua trajetória? Como percebeu e se assumiu como artista?
Emilly – Eu sempre fui uma criança muito ligada às artes. Lembro que aos 7 (se não engano) expus uma arte num projeto de escola no MAC aqui em Feira; tenho uma foto desse momento e para mim é muito simbólica para me reafirmar enquanto artista feirense — ainda sonho com o momento de conseguir ver o MAC ativo novamente, e quiçá promover espaços culturais para exposições e afins.
Volta e meia eu estava me expressando em cores, desenhos e a arte me acompanhou em muitas fases de vida. Saindo do ensino médio eu já tinha alguns contatos com a arte cênica pois fazia Teatro, depois de um tempinho resolvi entrar numa oficina de pintura no CUCA. A partir desse momento comecei a impulsionar o fazer arte em meu caminho de uma maneira exteriorizada, porque sempre tive como algo bem subjetivo e intimista.
Entendi que a arte era mais próxima da minha personalidade do que eu imaginava. A partir desse momento comecei a presentear as pessoas próximas com artes minhas, por entender a singularidade que a arte carrega, para mim tinha muito mais significado. Comecei a expressar ainda mais meus sentimentos, minha fé, meus devaneios e tudo que tocava meu olhar.
Nesse processo fui também impulsionada por essas mesmas pessoas próximas a comercializar essas artes. Foi então que comecei a trabalhar de forma autônoma com encomendas; e no começo ainda me arrisquei com artesanatos. Na verdade, tudo o que a arte me permite ser, eu acolho.
Esse movimento de comercializar me auxiliou bastante, pois coincidiu com o mesmo momento que estava entrando na Universidade. Mas o ato de comercializar minhas artes me colocou num lugar de muita reflexão; sobre o processo de mercantilização e autoafirmação de ser artista. Parei um tempo de produzir pois não queria me direcionar apenas nas vendas. Afinal, minha arte falava muito mais sobre afeto, sobre cultura e ancestralidade. Quando retornei desse tempo que eu mesma me dei fui caminhando e entendendo os lugares que posso ocupar e o que sou capaz de expressar.
Hoje me reconheço como artista visual por entender todo processo que me constituiu para que essa afirmação acontecesse. Percebi que sou artista porque resisto, porque levo em tudo que faço o debate da arte; porque aprecio como a arte é capaz de ressignificar as coisas, o mundo e os olhares. Percebi como ela é uma ferramenta para transformar, como ela pode ser uma das formas de linguagem mais sensíveis e potentes. No mais, vejo e sinto a arte em tudo que faço, por isso, hoje consigo afirmar que sou artista.
Feirenses: você fala em ancestralidade como um dos elementos presentes na sua obra. Como sua fé e as identidades que você carrega te movimentam como artista?
Emilly: Entendo que a fé é o que me movimenta também. Fé é acreditar, é não perder as esperanças e está muito atrelada ao meu processo de resistir. A ancestralidade atrelada à fé também me movimenta para entender sobre meus passos; os caminhos que trilho, para que estou aqui e os porquês de permanecer.
Tudo isso me embala para não perder de vista meus princípios; para entender por que faço arte e como quero propagá-la. Ou seja, a fé e a ancestralidade constituem esse querer de dar continuidade à memória, à cultura e à história dos que vieram antes de mim e os que virão também.
Me fortalece entender os sentidos que têm a vida. Nada que fazemos e decidimos trilhar é em vão. A arte, a fé e a ancestralidade para mim estão num balaio só! Me movimentam para comunicar, resistir, propagar, e diz muito sobre o que sou; acho que nada nos fortalece mais do que estar seguro sobre si e sobre o que estamos nos propondo a fazer (ainda mais quando não diz só a respeito da gente, mas a muitos outros).
Todos os elementos que uso numa arte possuem um significado, mesmo que subjetivo. Por isso, tenho muito em mim esse processo de ser artista e fazer arte de uma forma muito intimista, que perpassa as técnicas – embora sejam importantes. No mais, quis explicar que tudo isso é o que me dá sentido. Gosto da palavra sentido porque ela é forte e por si só já diz muito.
Feirenses: e Feira de Santana? Qual importância da cidade na sua vida e na sua obra?
Emilly: Feira de Santana me inspira em muita coisa, não só por ser nascida e criada aqui, mas também por essa mesma questão de respeitar e querer dar manutenção a minha ancestralidade e identidade.
Minha família toda é daqui, meus avós moravam pelas redondezas (Ipirá e Candeal) antes de chegarem aqui. Vieram para esse contexto comercial, da feira livre, inclusive. É uma das coisas que levo comigo com muita firmeza, a importância das feiras livres, como a feira é uma marca identitária forte daqui e como acredito tanto no potencial da mesma. Vejo a feira para além do comércio, vejo arte, vejo regionalidade, cultura e muita inspiração.
Acredito que carrego comigo muito pertencimento de ser feirense e é claro que isso também é reproduzido na minha arte — já que as minhas obras falam muito do que sou, do que acredito e afins.
A Princesa do Sertão está presente nas cores terrosas de minha paleta, são cores que me identifico e que referenciam o lugar que sou; o amarelo, o marrom, laranja, terracota… Feira está presente em elementos miúdos de minhas obras.
Eu ainda tenho muito anseio de ver a cidade fomentando ainda mais a arte e a cultura, é um dos motivos de dar continuidade também ao que faço; para que os caminhos se abram para mim e para os outros, para que possamos ter visibilidade e assim ocupar espaços que são importantes para o contexto local. Pois caminho nas ruas de Feira e vejo muito potencial, vejo inspiração, ouço conversas, sinto as histórias e vejo a arte viva em movimento.
Tenho uma obra sobre a Rua de Aurora, ela me fez pesquisar e entender o antes para reproduzir no agora. Consegui trazer elementos que contam essa construção de memória em forma de ilustração, isso pra mim é o que me constituiu aqui. Entender e respeitar o tempo sendo um agente capaz de transformar e ressignificar os olhares.
No mais, Feira me fez artista. Me afirmo sempre como uma artista baiana e sobretudo sertaneja.
Feirenses: seu processo criativo sempre passar por estudar o que vai ser ilustrado? Quais instrumentos e técnicas você utiliza?
Emilly: Sim. Porém de forma muito técnica/teórica quase nunca, eu sempre defino meu processo como intimista, me baseio muito pelo olhar e vou deixando fluir. Funciona muito melhor estudar de uma maneira mais didática para mim, através do estudo do contexto, da história, dos significados e do sentir. A afetividade também com certeza é uma ferramenta essencial que compõe meu processo criativo.
Costumo utilizar diversos instrumentos. A arte nos proporciona uma multiplicidade muito potente! Minha técnica é manusear a pintura em tela e no papel com acrílica, a arte digital, me experimento também na aquarela e nos artesanatos como MDF e barro; gosto de trazer cores vivas e brincar com texturas.
Atrelado a isso me expresso também por colagens analógicas e digitais.
Feirenses: você tem alguma referência nas artes plásticas? Quem te inspira?
Emilly: Tenho alguns amigos e amigas que também são artistas e me inspiram muito, acho importante relembrar quem impulsiona nosso caminho sobretudo por serem artistas locais. Alguns são: Raiana Britto, Caburé, Ivy, Michel Nery, Vitória…
E tenho referências que também carrego com muita admiração que são: Breno Loeser (ele traz uma perspectiva de ilustrações digitais sobre àṣẹ lindamente e muito potente); Augustinho, Jess Vieira (que é uma artista plástica que mora em Salvador), Igor Rodrigues que é um artista grandioso feirense e Roniery, que é um artista sergipano com um trabalho incrível e muito sensível.
Alguns desses artistas que citei são de Aracaju, eu tenho uma admiração imensa pelos artistas que compõe esse lugar.
Tenho duas referências das artes, que não são especificamente das artes plásticas mas inspiram demasiadamente meu trabalho e toda minha trajetória até hoje, são duas figuras femininas potentes demais, me embalam feito água e me ajudam muito a entender que artista estou me formando para ser; são elas Anelis Assumpção e Livia Natália.
Feirenses: você tem novos projetos em andamento e como as pessoas podem ter acesso a tuas obras.
Emilly: Então, muito difícil falar sobre novos projetos!
Eu sou cheia de ideias e sempre estou tentando colocar em prática tudo ao mesmo tempo. Mas vou deixar algumas propostas que estou tentando colocar em prática próximo ano; não sei se trouxe essa afirmação mas os Orixás guiam meus caminhos, com isso quero finalizar a série de ilustrações que iniciei esse ano sobre.
Tenho um projeto que já saiu da mente para o papel cuja proposta é fazer releituras de imagens em pinturas para falar sobre ancestralidade, cultura regional, a água, o vento e a força. Quem sabe não resulte numa exposição?!
E para ter acesso à minhas obras podem acessar no Instagram (@emillyreisart), e tenho um portfólio que está em processo de atualização também, mas breve estará recheado de obras em série, no endereço https://www.behance.net/emillyreis.