Dona Terezinha Santos e Simone Rasllan foram as primeiras a chegar. Ao ouvirem os rumores de que quatro árvores da Avenida Maria Quitéria seriam cortadas, mãe e filha largaram os afazeres durante o sábado e partiram para barrar a ação. As duas artesãs feirenses abraçaram-se à primeira árvore que estava pronta para ser retirada e fizeram o protesto que ganhou repercussão e marcou a ocupação do Movimento Unificado Contra o BRT. Desde o dia 5 de setembro o Movimento reúne no canteiro central da Avenida Maria Quitéria estudantes, professores, engenheiros, biólogos, artistas e lideranças de movimentos sociais.

Viúva e mãe de três filhos, Dona Terezinha é aposentada, e, aos 64 anos, nunca participou de uma manifestação popular, até saber sobre as obras do BRT. “Quando eu soube que iam cortar as árvores, larguei tudo que eu estava fazendo e vim correndo para cá. Eu tinha uns panos no carro, que ia fazer umas costuras, aí peguei e a gente se enrolou na árvore. Foi um ato simbólico, que eu fiz com o intuito de proteger e socorrer a árvore, que não fala, é muda”. Uma espécie de matriarca do movimento, a artesã conta que ficou muito sensibilizada quando soube da retirada das árvores. “Aquilo me tocou tão profundamente, que então eu decidi me inserir no movimento. Eu vim pelas árvores e aí, aqui, através das conversas, eu conheci mais a fundo sobre o BRT e todas as suas irregularidades e falhas. Agora então é que eu não saio”.

Dona Terezinha conta que teve o apoio integral da família, principalmente da filha Simone: “Meus filhos acham que estou lutando por uma causa justa, e eu me sinto corretíssima por estar aqui. Não me sinto envergonhada de nada. Quem deveria se envergonhar é o prefeito e o grupo dele, porque isso é um crime ambiental e eu continuo aqui até a última gota, até quando puder ficar aqui eu fico”.

“Nunca participei de outro movimento, mas sempre tive um respeito e um amor especial pela natureza.”

A designer de moda Simone Rasllan tem 40 anos, e também conta que nunca participou de nenhum movimento popular: “Nunca participei de outro movimento, mas sempre tive um respeito e um amor especial pela natureza. Depois que tive minha filha, minha preocupação ambiental aumentou muito, principalmente por conta de ver essas novas gerações. Estamos deixando para elas um planeta horroroso. Estamos destruindo o planeta e deixando um lixo para elas, minha preocupação é deixar um lixo pra minha filha. Minha preocupação principal nessa ocupação é com a natureza e a importância dessas árvores. A gente precisa dessas árvores, se matar uma árvore dessas, a gente está se matando também”.

Além de receber o apoio da mãe, Simone acrescenta que os amigos também são a favor da sua participação na ocupação. “A gente tem uma visão e consciência ambiental muito grande, tudo que a gente pode fazer para melhorar e não agredir o ambiente a gente faz. Não sou cem por cento, mas o que está ao meu alcance eu já faço”.

Militância biológica, ecológica, histórica e cultural

Acampamento contra o BRT em Feira

Ao contrário de Simone, o estudante de História na Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) e professor, Tailan Santana Santos, de 23 anos, sofre bastante preconceito por participar da ocupação, e não conta com o apoio da família. “Minha família é totalmente contra a minha participação aqui. Primeiro, por medo e temendo repressão, retaliação e que eu seja acometido por algum mal. Segundo, pela própria questão de falta de conhecimento e de politização. Converso com eles, mas não é um diálogo muito profícuo. Até porque há uma unilateralidade deles de não entender esse processo e apenas afirmar uma negação, e isso encerra o debate porque não propõem nenhum diálogo, nem discussão”.

Para o jovem, o diálogo que existe entre ele e sua família é muito frágil. Ele acredita que os espaços de autoemancipação, autotransformação, formação e afirmação do indivíduo vão além da família, e passam também pela escola, pela universidade e pela própria rua. Segundo ele, o Movimento Unificado de Luta contra o BRT é um desses espaços que permite conhecer mais sobre a história das minorias, dos explorados, dos subalternos e pensar que é possível construir uma história de luta e de emancipação.

“Não queremos esse BRT porque não atende às demandas da periferia, não integra a periferia ao centro, não integra o trabalhador ao seu trabalho e por isso somos contra”

Tailan relata que desde pequeno sempre teve algumas leituras sobre participação política, atualidades e ciências políticas no Brasil. Essa leituras fomentaram discussões sobre a sua realidade e sua experiência de vida. “A partir dos espaços que passei, pude me construir como um sujeito de esquerda, um sujeito que aprende o conhecimento social, a partir da resistência social e da luta dos trabalhadores. Participo de discussões no meu bairro, o Feira X, e discussões com o objetivo de pensar um melhor modelo de sociedade e melhor modelo de bairro. Nesse sentido, acabei tendo o conhecimento do processo de resistência do Movimento Unificado Contra o BRT, que surge com a proposta de repensar esse projeto, unilateral, arbitrário, antidemocrático, executado pela Prefeitura Municipal de Feira de Santana e se trata de uma alternativa, de um debate sobre pra quem é a cidade”.

Tailan é incisivo sobre a sua opinião contra o BRT. “Não queremos esse BRT porque não atende às demandas da periferia, não integra a periferia ao centro, não integra o trabalhador ao seu trabalho e por isso somos contra. E, além disso, nos pautamos no fato de que qualquer modelo de transporte urbano na cidade tem que vir acompanhado do diálogo, por aqueles que realmente precisam do transporte, que é a classe trabalhadora. Temos que pensar isso a partir de um plano diretor que não é qualquer plano diretor de desenvolvimento urbano, é um plano diretor participativo e popular. Não esse, de gabinete, de um grupo político, que quer sobrepor os interesses da maioria sobre os da classe trabalhadora”.

Ele também frisa a importância da questão ambiental: “Acreditamos que um modelo de cidade ideal está alinhado com o desenvolvimento e a preservação do meio ambiente. Defendemos a preservação das árvores centenárias por uma questão biológica, ecológica, histórica e cultural. São árvores que cresceram com o processo de formação da cidade e não podem ser renegadas por essa ideia de pseudo-progresso. Um progresso concentrado, elitista, que para existir precisa destruir e explorar .Temos um conjunto de pautas que estão amarradas num debate maior que é o debate sobre qual modelo queremos, qual modelo de cidade nós temos e qual o modelo de cidade nós podemos construir”, conclui.

Revoltada, sim. Louca, não.

Acampamento do BRT em Feira de Santana

A educadora social Ana Paula Duarte, de 28 anos, é outra ocupante do movimento contra o BRT. Ela conta que o que a levou a participar das discussões foi a insatisfação contra o poder público municipal de Feira de Santana. “O que me traz aqui é a completa insatisfação com o poder público municipal de Feira de Santana. Com um governo autoritário que não dialoga com a população, mas dialoga com a elite, com os grandes empresários. Um governo que constrói uma cidade para ricos e aglutina as periferias”.

Moradora do bairro Jardim Cruzeiro, Paula é feminista e pós-graduanda em políticas publicas de gênero e raça. Sua militância começou ainda na escola, no grêmio estudantil, passando por movimentos sociais: “Sou filha de trabalhadores, venho de um lugar que não chega nem a ser classe média. Talvez hoje até seja. Mas, antes, não chegava. Então me coloco nessa situação de filha da classe trabalhadora. Trabalho com ONG, com movimento social e essa militância está no meu trabalho. É uma militância para as minorias, pelo povo preto, crianças, indígenas, crianças da periferia, da favela, homossexuais, lésbicas, trans, e, principalmente, por ter uma história de vida de violência na minha família, pelas mulheres. Sobretudo pelas mulheres. Por isso eu vejo no feminismo um empoderamento. Eu me coloco nesse lugar e nesse lugar de povo oprimido. Eu transgrido esse lugar para fazer o meu grito, fazer a minha subversão, meu protesto”.

A educadora fala também sobre a preocupação da família e o preconceito sofrido por ela e os demais ocupantes. Muitos participantes do movimento tem sido questionados sobre vantagens financeiras, políticas e ainda considerados como “desocupados”, “desmoralizados” e até chamados de loucos. “Não estamos aqui no ‘oba oba’. Isso aqui é um movimento político, de pessoas insatisfeitas. Não é de hoje que existe essa verticalização, esse governismo. Eu estou aqui falando enquanto uma educadora, que pega o transporte público e que, muitas vezes, passo cada perrengue por não ter como me locomover na cidade, que é um direito meu, de me movimentar na cidade em que vivo. Isso me é negado, e, a partir desse momento eu me coloco aqui como ocupante deste espaço. Enquanto o prefeito não dialogar no sentido de barrar, de acabar essa obra, promover audiências públicas, de construir o plano diretor de desenvolvimento urbano, não vai ter BRT não. BRT não passará. BRT pra quê? Pra quem?”.

“Porque todo mundo que ousa contestar as coisas é chamado de revoltado? Então eu sou uma desencaixada, mas louca não.”

Segundo Paula, é importante ressaltar a legitimidade de movimento e de seus envolvidos: “A gente quer dialogar e o diálogo não está acontecendo. Nós estamos ocupados e em nenhum momento invadimos esse espaço. Porque não se invade o que se tem. O espaço público é nosso, nós estamos ocupados aqui e queremos dialogar. A gente está percebendo que há uma criminalização do movimento, de diversos segmentos, até mesmo da mídia. A minha família apoia, outros me chamam de louca, me ridicularizam. Mas, eu não aceito mais esse lugar de ser ridicularizada, de ridicularizarem as minhas escolhas políticas e pessoais. O que eu faço com o meu tempo é uma escolha e uma responsabilidade unicamente minha. Eu não sou louca. Talvez revoltada. E se eu sou revoltada é porque tem alguma coisa errada com o sistema. Porque todo mundo que ousa contestar as coisas é chamado de revoltado? Então eu sou uma desencaixada, mas louca não. Temos que respeitar as escolhas de cada um, por mais que a gente tenha um ponto de vista diferente, o meu é diferente e eu quero transgredir esse sistema, isso não quer dizer que eu seja louca”, afirma.

Falta de conhecimento

BRT em Feira de Santana

Já analista de sistemas e morador do bairro Fraternidade, José Carneiro, de 42 anos, afirma que a adesão de participantes ao movimento tem sido muito boa, porém, ainda não é a ideal devido à falta de conhecimento. “Percebemos que a maioria das pessoas não tem conhecimento. Não sabem o que é BRT, não sabem o que é plano diretor. Esse fato das pessoas não saberem, demonstra que o projeto não foi discutido”. Participando da ocupação desde o início, José diz que tem recebido apoio da família e amigos sobre a adesão ao movimento.

Para ele, esse é um grande esforço, mas será recompensado quando o propósito maior dos ocupantes for atendido. “O propósito maior dessa ocupação é evitar que a Prefeitura avance nas obras”. 

Os rumos do Movimento contra o BRT

O Movimento Unificado de Luta contra o BRT, conta com apoio de mais de 30 entidades, que assinaram um documento se posicionando contrariamente ao projeto. Na ocupação, sediada no canteiro central da Avenida Maria Quitéria, cerca de 60 pessoas estão se revezando com o objetivo de barrar as obras. Os participantes fazem vigílias, estão sempre em rotatividade, buscando somar o maior número de pessoas possível. Em todos os horários há militantes na ocupação, que assume como características a pacificidade e a politização. Há apoio de comerciantes locais e transeuntes, que contribuem com doações e dão apoio político e moral.

Por enquanto, as obras do BRT estão paradas. Não se sabe ainda qual será o próximo passo dado pelo Movimento com a decisão judicial que nega a liminar que pedia a interrupção das obras. A esperança é que o diálogo prevaleça, e a mística natural do belo verde sertanejo que enfeita e engrandece as avenidas e ruas da Princesa do Sertão seja mantido.

 

Fotografia: Val Silva