Existe um argumento de autoridade nas cidades brasileiras que sempre é evocado por pessoas que foram as primeiras a povoar determinada localidade. É comum encontrarmos pessoas que normalmente soltam um bom: “quando eu cheguei aqui era tudo mato!”.

A frase mais do que nos mostrar que estamos diante de uma pessoa que acompanhou o desenvolvimento daquela rua, avenida, bairro, cidade desde os primórdios. Serve também para nos lembrar que o espaço urbano está em constante modificação: seja pela construção de novas edificações ou pela derrubada de prédios antigos, instalação de iluminação pública, construção de túneis, passarelas, viadutos etc.

Sob qualquer perspectiva, é sempre importante lembrar que uma rua, uma avenida ou uma praça sempre é mais do que um amontoado de prédios, argamassa, calçamento, malha asfáltica, casas e lojas. Em última instância, as ruas são os recantos das histórias da vida urbana, palco de encontros, de festejos populares, de manifestações políticas, protestos, acidentes, nascimentos. Nesse sentido, descreve bem o “espírito” das ruas o escritor carioca João do Rio que, no livro “A Alma Encantadora das Ruas”, nos fala:

Se a rua é para o homem urbano o que a estrada foi para o homem social, é claro que a preocupação maior, a associada a todas as outras ideias do ser das cidades, é a rua. Nós pensamos sempre na rua. Desde os mais tenros anos, ela resume para o homem todos os ideais, os mais confusos, os mais antagônicos, os mais estranhos, desde a noção de liberdade e de difamação até a aspiração de dinheiro, de alegria e de amor. […] Sair só é a única preocupação das crianças até certa idade. Depois continuar a sair só. E quando já para nós esse prazer se usou, a rua é a nossa própria existência. Nela se fazem negócios, nela se fala mal do próximo, nela mudam as ideias e as convicções, nelas surgem as dores e os desgostos, nela sente o homem a maior emoção.”

Não só alma. As ruas, avenidas, becos, praças têm nomes. Esses normalmente fazem referências a personalidades de projeção municipal, estadual, nacional ou até internacional; letras do alfabeto, nomes de outras cidades, datas históricas, símbolos nacionais. Os nomes das ruas se tornam guias de referência fundamental para a locomoção e localização no meio das cidades, sejam de pequeno, médio ou grande porte.

Um processo interessante sobre o nome de lugares urbanos acontece quando o nome de determinada rua já está de tal forma encarnado naquele espaço geográfico que, muitas vezes, perdemos a dimensão de que a nomeação daquele recinto guarda em si, uma série de histórias, circunstâncias históricas e políticas que, muitas vezes, as condições e necessidades objetivas do dia a dia nos impedem de fazermos as associações necessárias entre o nome e a data/símbolo/pessoa a quem ela evoca. A vida em sociedade, muitas vezes, provoca o rompimento entre significante e significado de expressões de uso cotidiano.

A fim de resgatarmos um pouco das histórias, constituição e “causos” que permeiam determinadas ruas, avenidas e becos de Feira de Santana, damos início a uma série de matérias que contam um pouco do desenvolvimento das “rugas” do espaço urbano feirense.  Além disso, contamos também um pouco da história da personalidade a quem determinado logradouro público faz referência/homenageia.

O General Eurico Gaspar Dutra

Eurico Gaspar Dutra

O nome de uma das principais avenidas feirenses faz referência ao General Eurico Gaspar Dutra, que foi o décimo sexto presidente do Brasil. Ele assumiu a presidência durante cinco anos (1946-1951), consequentemente, no período subsequente ao término da Segunda Guerra Mundial.

Apesar de não ser reconhecido como um candidato popular, muito menos possuir uma boa oratória, General Dutra venceu as eleições de 1945, filiado ao Partido Social Democrático (PSD), com 55% dos votos. A aliança com o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e o manifesto apoio de Getúlio Vargas, presidente deposto com alta popularidade em 29 de outubro de 1945, podem ter sido fatores preponderantes para a vitória do ex-ministro da Guerra do governo Vargas.

Em um cenário internacional marcado pelo início da Guerra Fria, o presidente Dutra rompeu as relações com a União Soviética e pediu a extinção do Partido Comunista Brasileiro. Nesse sentido, Dutra alinhou os interesses nacionais com o bloco capitalista, que tinha os Estados Unidos como o maior expoente.

Eurico Gaspar Dutra

Nacionalmente, a administração de governo Dutra foi marcada pela promulgação da Constituição de 1946 e pelo primeiro planejamento de ação governamental que ficou conhecido como Plano SALTE (acrônimo das palavras: Saúde, Alimentação, Transporte e Energia) proposto em 1948, que tinha como objetivo a estruturação e o desenvolvimento dos quatro setores que o nome do plano fazia referência.

Em termos de infraestrutura, Presidente Dutra foi o responsável pela conclusão do trecho da BR 116 (antigamente conhecida como BR-4), conhecida como Rio-Bahia e pela iniciação da construção do trecho da BR 116 que faz a ligação entre a cidade de São Paulo e o Rio de Janeiro. Inicialmente, essa parte da BR ficou conhecida como Via Dutra, mas teve seu nome mudado para Rodovia Presidente Dutra, tal como se conhece atualmente.

É neste contexto da construção e pavimentação da Rodovia Federal 116 que, durante a década de 50, a avenida feirense pode ter sido batizada com o nome do Presidente que marcou o período da primeira redemocratização do país. Ao término do seu mandato, o presidente Dutra foi sucedido por Getúlio Vargas, que ganhou o pleito eleitoral de 1950. 

Uma curiosidade: ao que consta, ao contrário dos presidentes Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek, Eurico Dutra não realizou visitas a Feira de Santana no período que estava no comando do poder executivo federal.

Aspectos históricos do desenvolvimento da avenida feirense 

Igreja dos Capuchinhos

Uma observação panorâmica da localização geográfica da Avenida Presidente Dutra, nos faz compreender que a sua disposição funcional de via de interligação direta entre a parte sul da BR 116 (que corta o país longitudinalmente) e a BR 324 (que faz a ligação direta entre os municípios de Feira de Santana e Salvador) propicia um papel de destaque no itinerário de pessoas que advém das regiões localizadas ao sul do país em direção à capital baiana, principalmente para aquelas que optam por passar por dentro da cidade de Feira de Santana. Mas nem sempre esse trajeto, tal como o concebemos hoje, foi tão fácil de se realizar.

Na primeira metade do século XX, com a introdução do automóvel e do caminhão, as autoridades estaduais da Bahia começaram a se mobilizar para a construção de rodovias que fizessem a interligação entre os municípios baianos, dentre eles, Feira-Salvador. A primeira rota da rodovia para transporte terrestre no trecho entre Feira e Salvador foi iniciada pelo Governo Estadual em 1925.

No entanto, essa versão passava por Humildes e deixa o trajeto 44 km mais longe do que o atual. Em 1929, foi descoberto um trecho que deixava o trajeto mais curto. Esse era o trecho que passava por uma localidade chamada Lapa (atualmente, conhecida como cidade de Amélia Rodrigues). Ainda assim, os carros não gastavam menos de quatro horas para completar o percurso entre a Princesa do Sertão e a capital baiana.

Conjunto religioso dos Capuchinhos

Imagens históricas do conjunto religioso dos Capuchinhos

A década de 50, que marcou a saída de Eurico Gaspar Dutra da presidência, foi também preponderante para o início do povoamento da Avenida Presidente Dutra. Remetendo ao ditado do início, os três primeiros frades (Enrico, Graciano e Benjamim) da ordem dos Capuchinhos podem falar abertamente “quando chegamos aqui era tudo mato” para se referir ao local onde iniciaram, em 1951, a construção do conjunto religioso dos Capuchinhos.

Esse conjunto envolve a Igreja e a Escola Santo Antônio, o Seminário e o Ginásio dos Capuchinhos. A importância dos  frades Capuchinhos é tamanha para a localidade que o nome do bairro homônimo faz referência à Ordem deles. O bairro surgiu de uma antiga Fazenda chamada “Deus Dará”, que foi doada pelo fazendeiro Fraterno Belizário de Oliveira. Antes de terminar a década de 50, a Avenida já havia sido denominada Presidente Dutra, como pode ser visto pela leitura da Lei nº 16 de 1958 que nomeia a Avenida Otávio Mangabeira e estabelece como início a Av. Presidente Dutra.

Nessa época, do outro lado da via, a única coisa que existia era a chácara de Agostinho Fróes da Mota. A chácara se tornou um loteamento com o nome de “Lolô” (apelido de dona Guilhermina, esposa do Coronel Agostinho Fróes da Mota) em 1955.

No entanto, é na década de 60 que importantes prédios finalizam sua construção ao longo da avenida. A começar com o Hospital Especializado Lopes Rodrigues que foi fundado em 1962. O Terminal Rodoviário de Feira de Santana foi inaugurado em 1967.  A iluminação da avenida até o Parque de Exposição João Martins da Silva foi colocada no final da década de 60 pelo prefeito João Durval Carneiro.

Terminal Rodoviário de Feira de Santana

Terminal Rodoviário de Feira de Santana

Na década de 70, foi construído, pelo arquiteto Amélio Amorim, o prédio que abrigou o restaurante Complexo Cultural “Carro de Boi”. Após passar por modificações, em 1992, passa a funcionar o Centro Cultural Amélio Amorim. Nome dado em referência ao arquiteto morto em um acidente automobilístico na década de 80.

Em 1º de junho de 1988 foi inaugurada a sede da Televisão Subaé, um importante marco para o criação e disseminação de conteúdos sobre a realidade local de Feira de Santana.

Na década de 90, a história do desenvolvimento da Av. Presidente Dutra é marcada pela implantação da 2ª Diretoria Regional de Educação – DIREC-02. Em 1998, é concluído o Complexo Educacional que contém o Centro Tecnológico, a Direc 02, a Escola Estadual Luís Eduardo Magalhães e a Biblioteca Pública.

Em 2000, após 63 anos de existência, a Micareta de Feira de Santana foi transferida para a Avenida Presidente Dutra. A mudança de realização da maior festa popular de rua da cidade para essa avenida ratifica a sua grande capacidade de agregar milhares de pessoas ao longo das noites de abril no seio das suas vias. Em 2007, foi construído na praça Jackson do Amaury (praça limítrofe entre a Avenida Presidente Dutra e a Avenida Monsenhor  Mario Pessoa) o Monumento do Caminhoneiro. A placa inaugural tem os seguintes dizeres:

“O Brasil passa por aqui. Dos tropeiros aos caminhoneiros que fizeram e fazem de Feira de Santana uma grande cidade.”

Livros e sites consultados

  • Frades Capuchinhos em Feira de Santana: nas dobras da história – Maria Lucila de Pinho, Frei Sobrinho
  • Dicionário personativo, histórico e geográfico da Feira de Santana – Oscar Damião de Almeida.
  • 29 de Outubro de 1946 -1951 – Hélio Silva
  • Feira de Santana – Rollie Poppino

Avenida Presidente Dutra no mapa: