No dia 29 de abril de 2019 a comerciária feirense Saionara Brito dos Santos recebeu a trágica notícia de que sua filha, a pequena Samile Brito, tinha falecido com suspeita de ter contraído o vírus da dengue. O óbito ocorreu no Hospital Estadual da Criança, após Saionara ter levado a filha em pelo menos duas unidades de saúde pública em Feira: a Unidade de Pronto Atendimento do bairro Mangabeira (UPA), por duas vezes, e a policlínica do George Américo, bairro em que reside.

Em diversos veículos de imprensa a mãe denunciou o mau atendimento que recebeu: “Sexta-feira à noite ela acordou pedindo água e quando eu fui dar água a ela começou a endurecer, ficou pálida, com a boca roxa, e depois ela desmaiou. Ela apagou. Aí quando ela voltou a si, ela ficou tesa e a gente correu para a policlínica. Parecia que estava tendo uma crise convulsiva. Aí eu cheguei e falei que minha filha estava tendo convulsão em casa, a moça da recepção mandou um rapaz fazer a ficha e mandou a gente esperar porque o pessoal estava tomando café. Aí eu falei que minha filha não podia esperar, aí ela disse: ‘Deixa aparecer alguém aqui que eu mando atender ela’. Passou ela na triagem e ficou esperando um médico ou enfermeira aparecer. Eu não esperei, peguei ela e entrei já falando alto, que ela estava tendo convulsão, e não tinha como esperar, que ela é uma criança. Aí veio uma enfermeira, olhou se ela estava com febre. Depois veio a médica, olhou, passou um remédio e colocou ela no soro. Quando colocou ela no soro, ela deu convulsão de novo lá e eu gritei. Aí ela tinha voltado. Quando foi umas 4h da manhã ela acordou e pediu pra fazer xixi e quando eu sentei ela no vaso, ela disse: ‘Mamãe’, e caiu pra trás, endurecendo de novo e toda pálida. Eu saí correndo pelo corredor da policlínica com ela no colo, ‘socorro!’, ‘socorro!’, e aí veio a médica e colocou ela na sala vermelha, no soro de novo. A médica pediu exame de sangue e a enfermeira disse que ele não iria fazer porque já tinha saído. Aí a médica pediu para ele voltar com urgência. Demorou um pouquinho e ele voltou. Levou o sangue dela para fazer análise e a gente só veio ter o resultado às 10h do outro dia, porque às 7h não tinha sido analisado ainda. Quando o exame chegou já tinha no papel, dengue tipo C. Foi aí que a médica disse que iria transferir ela para o Hospital Estadual da Criança, porque a plaqueta estava muito baixa. Chegando no HEC fizemos a ficha, e o médico, só examinando ela disse que o caso era grave”, afirmou Saionara ao Acorda Cidade.

Samile Brito

A pequena Samile Brito, de 5 anos, morta com suspeita de dengue em abril.

No primeiro semestre de 2019 já foram registrados 8 casos de morte por dengue em Feira de Santana – um recorde histórico, desde quando a Prefeitura Municipal começou a catalogar os dados na cidade.

Outro dado que impressiona é a comparação de Feira com outros municípios da Bahia: de acordo com a Secretaria Estadual de Saúde, até o final de maio, Feira tinha 70% dos casos de óbitos com suspeita de dengue no estado.

Casos de dengue nos bairros e distritos de Feira

O infectologista Antônio Bandeira, da Sesab, explicou recentemente por que os casos de dengue sofreram um aumento em toda a Bahia no ano de 2019: “Fatores ambientais são fundamentais para contribuir com isso. Aquele período de chove e para, chove e para… aumento das temperaturas, que a gente teve esse ano. Foram muito significativas em todo o país. E, junto com isso, também, o que a gente chama de variação nos receptíveis. Pessoas que tiveram dengue, que estão imunizadas, mas não estão para todos os tipos. Os vírus variam muito”.

Ao todo, foram 10.511 casos de dengue notificados em Feira de Santana no primeiro semestre de 2019. Atualmente Feira de Santana, sozinha, corresponde a cerca de 30% a 40% do total de casos no estado.

Veja no infográfico a seguir quais bairros e distritos de Feira de Santana possuem maiores índices de notificação:

Dengue em Feira de Santana - Primeiro Semestre de 2019

Chama a atenção a alta quantidade dos três primeiros colocados no ranking: o Distrito de Matinha, com 728 casos, o Bairro do Tomba, com 610 casos e o Distrito de Maria Quitéria (São José), com 584 casos.

De acordo com a enfermeira Neuza Santos de Jesus, Mestre em Saúde Coletiva e Supervisora da Vigilância Epidemiológica de Feira de Santana, a quantidade de casos nos distritos de Matinha e Maria Quitéria se dá pela extensão da área desses distritos, e pelas características rurais das localidades. Já o bairro do Tomba, caracteriza-se por receber as notificações a partir da policlínica do bairro, frequentada por moradores de outros bairros circunvizinhos, aumentando, assim a quantidade de notificações.

Neuza destaca que o controle da dengue advém de um esforço coletivo: “é preciso que todas as instâncias estatais, da iniciativa privada e principalmente o cidadão colabore com esse trabalho de controle da dengue. Porque a dengue não se combate, é preciso controlar”. Apesar disso, ela admite que a quantidade de agentes de endemias disponíveis atualmente, pouco mais de 300, não é o suficiente para dar conta do trabalho da Vigilância Epidemiológica: “com o crescimento da cidade, principalmente depois do programa Minha Casa Minha Vida, a quantidade de agentes ficou defasada, e hoje tem uma dificuldade de contratação por causa da Lei de Responsabilidade Fiscal. Mas nós buscamos oferecer todos os trabalhos com a equipe que temos”.

O papel da Prefeitura

Apesar dos números alarmantes, que colocam Feira de Santana como o caso mais crítico de vulnerabilidade a Dengue na Bahia, a Secretaria de Saúde afirma que as seguintes atividades são realizadas no município:

  • Elaboração do Plano Municipal de Contingência das Arboviroses;
  • Capacitações para equipes de saúde das policlínicas e da atenção básica sobre manejo clínico das Arboviroses;
  • Reuniões do Comitê Municipal da dengue;
  • Reuniões semanais do Grupo Gestor Municipal da dengue;
  • Acompanhamento e monitoramento dos casos notificados;
  • Avaliações das notificações e definições estratégicas de ações para o combate ao vetor;
  • Bloqueios com a bomba costal sendo realizados com dois ciclos para casos suspeitos de chikungunya e um ciclo para casos suspeitos de dengue sinalizados pelo mapa de monitoramento do Georeferenciamento;
  • Tratamento focal, perifocal e bloqueios com bomba costal nas localidades onde houve re-gistros de casos suspeitos de Chikungunya, dengue e Zika;
  • Acompanhamento ambulatorial com Infectologista aos pacientes na fase subaguda e crônica;
  • Parcerias com instituições de ensino de nível técnico e superior com ações de Educação e Saúde nos bairros com maior número de notificações;
  • Bota fora nas comunidades — Mutirão de limpeza.

É importante notar que os municípios são os principais responsáveis pelo controle prático da dengue na atual divisão legal de responsabilidades. Enquanto o Governo Federal define as diretrizes e normas nacionais de controle do vetor e os governos estaduais acompanham e dão suporte aos municípios, cabe a estes a adoção de ações práticas para prevenir a incidência da doença.

Tanto é assim que, em casos de negligência na execução do controle, os municípios podem ser autuados. Foi o que aconteceu na cidade paulista de Estrela D’Oeste, quando o Ministério Público Federal e o Ministério Público de São Paulo pressionaram o governo municipal a intensificar a vigilância. Em Sorocaba, uma CPI foi instaurada para investigar os altos índices de notificações de dengue.

Como prevenir a dengue

Simultaneamente à necessária exigência de que os poderes públicos ampliem as ações de controle à dengue no município de Feira de Santana, é preciso que cada cidadão conheça um pouco mais sobre o vírus e seu vetor, o mosquito Aedes aegypti. Veja dois vídeos que podem ajudar a evitar e tratar melhor a doença, ambos apresentados pelo médico Dráuzio Varella.

Primeiro, as características do mosquito e do vírus da dengue:

 

Agora, um vídeo onde Dráuzio aponta quais são os sintomas da dengue:

 

Confira 6 medidas sugeridas pela Vigilância Epidemiológica para prevenir casos de dengue:

  1. Descarte todos os objetos não utilizados que estiverem expostos às chuvas e podem acumular água: pneus, latas, garrafas, baldes, etc.
  2. Tampe os tonéis e depósitos de água e troque diariamente a água dos bebedouros dos animais.
  3. Coloque terra ou areia nos vasinhos de plantas, ou lugares que acumulem água.
  4. Coloque o lixo em sacos plásticos, e mantenha a lixeira completamente tampada.
  5. Tampe bem os recipientes que utiliza para acondicionar água: garrafões, jarras, taques, etc.
  6. Troque a água das plantas a cada três dias.

Para denunciar focos do mosquito você pode entrar em contato com a Vigilância Epidemiológica através do Disque-Saúde: 0800 284 6656.