Ao homem, é imperativo decidir o lugar que quer ocupar no mundo. Deixar de escolher não é uma alternativa. Fora da caixa, de riso frouxo e deboche contumaz, Dito Leopardo é um artista feirense que você deveria conhecer.

Nascido em 1952, na cidade de Serrinha, Expedito Francisco Rocha, ou melhor, Dito, erradicou-se em Feira de Santana e aqui construiu, junto ao grupo musical Os Leopardos, uma intensa e memorável carreira como cantor. Nos tempos da brilhantina e dos bailes realizados em clubes sociais, era Dito quem orquestrava noites dançantes e proporcionava galanteios desvairados.

Fez do Feira Tênis Clube e da Euterpe Feirense sua segunda morada. Envolvidos por uma voz de drives acentuados, não raro casais apaixonados se formavam sob o som de Unchained Melody e We say Goodbye.

O filho de Pito e Pitá

Dito Leopardo

Natural de Cedro de São João (SE), a família de Dito migrou para a Bahia em busca de melhores condições de vida. Seu pai, conhecido como Pito, sua mãe, Pitá. Vieram todos em lombo de burro,  e resolveram ficar em Serrinha. Magarefe, assim que chegou, seu pai tratou logo de vender carne de charque. Daí surge sua primeira atividade profissional.

Há certo artesanato na elaboração da carne de sertão: uma das etapas é a secagem sob o sol. Ao pequeno Dito, cabia tomar conta das carnes pra urubu não fazer festa.

Criativo desde cedo, soube que se amarrasse um único urubu perto das carnes, conseguiria espantar todos os outros. Tratou logo de garantir essa ferramenta. “De tarde, quando os urubus iam pra comer as ossadas, aí eu botava a isca no anzol e pegava. Pescava o urubu (risos)”, diz Dito.

O novo espantalho, de fato, funcionava. Certa vez, durante o expediente, saiu para caçar com a espingarda do irmão. Quando voltou, a carne estava toda no chão, o urubu havia se soltado. Filho de um velho açougueiro alcoólatra, jamais esqueceu aquela surra.

Ainda menino viu seu pai contrair uma grave infecção parasitária que o impossibilitaria de trabalhar. Era amebíase. Seu Pito fechou o negócio, vendeu a roça que tinha para quitar os funcionários e mudou-se para Minas Gerais em busca de sustento. Naquele momento, deixou a família para trás. Quando tinha 10 anos, na época da seca, o menino precisou buscar água em tanques distantes para fazer uns trocados. Montado no fiel burro de carga, Diamante, transportava dois tonéis por dia e vendia pela cidade.

Em 1966, por conta das dificuldades, Dito, dona Pitá e seus cinco irmãos se mudam para Feira de Santana. Inicialmente, por intermédio do pai, viviam da venda de carnes mineiras, que vinham em cima de caminhões clandestinos. Apesar da separação, seu pai nunca deixou a família desamparada. Diz nunca ter passado fome, mas as dificuldades foram tantas que não cabem no script.

“Às vezes, faltava dinheiro pra comprar manteiga. Aí pegava a banha de porco (porque meu pai também matava porco), botava na frigideira, e a gente melava o pão na banha! Quer dizer, era uma forma de lubrificar”, nos conta.

Da boemia na Kalilândia à progressão no cenário musical

Dito Leopardo (à esquerda) no início da carreira

Dito Leopardo (à esquerda) no início da carreira

A convite do cunhado, que trabalhava como radiotelegrafista, Dito viveu boa parte da juventude em Teofilândia, destino certo de suas férias e lugar em que fez grandes amizades.

Em Feira de Santana, no Colégio João Barbosa de Carvalho, quando cursava o sexto ano, foi colega de sala de Tôin Capenga, ou melhor, Dionorina (artista popular da região). A partir dessa amizade, realizou suas primeiras experiências artísticas, através de brincadeiras e imitações.

Posteriormente, foi para o Colégio Estadual disposto a cursar o ensino médio. Entretanto, Dito reconhece: nunca gostou de estudar. Seu negócio era imitar Roberto Carlos, Jerry Adriani, Vanderlei Cardoso – ou seja, cantar. Nesse período, começou a se encontrar com Carlos Pitta, um sujeito que lhe deu bastante incentivo.

Após rápida passagem pelo Colégio Estadual, transferiu-se para o Municipal, a fim de concluir os estudos. Dessas felizes coincidências da vida, o atual colégio localizava-se no Bairro Kalilândia, circunstância geoespacial que faria toda diferença.

Acompanhado dos ilustríssimos Nego Mu, Nelsinho, Augustinho Pimenta, Severino e Pomponet, abraçou “mutualisticamente” a boemia daquele bairro. Desbravava suas ruas, navegava em seus botecos, dançava incansavelmente suas festas, amava em todos os lugares. Suas imitações já eram aplaudidas por todos que ali andavam. Até hoje, Dito e a Kalilândia são íntimos companheiros. Para encontrá-lo, basta aparecer no Bar do Vital – próximo ao Colégio Visão – qualquer dia da semana, por volta das 17 horas.

Nesse contexto, o cantor da banda Os Leopardos, Zé Carlos, precisou ir embora para o Rio de Janeiro. Por muito incentivo dos amigos, Dito resolveu participar da seleção para ingressar no conjunto. Foi aprovado. A partir de então, seguiu rumo aos micaretas familiares que tipicamente aconteciam na Princesa do Sertão para fazer o que mais sabia.

Note-se que, na Feira de Santana da década de 70, os bailes em clubes sociais carregavam algumas singularidades. Não era incomum Os Leopardos amanhecerem o dia tocando no Feira Tênis Clube e, na sequência, engatar mais um show durante o período da manhã. Os artistas precisavam ter bastante vigor.

 

No auge da carreira, abriu shows importantes como: Vanderlei Cardoso, Wanderléa e Agnaldo Timóteo. Hoje, atesta o entrevistado, o artista local jamais teria essa oportunidade, o show já vem completo, sendo abertos também por artistas de fora.

“Por que o músico de Feira não vai adiante?! Tá bem Dionorina porque saiu de Feira! Tá bem Carlos Pitta porque saiu de Feira! Tá bem Beto Pitombo porque saiu de Feira! Têm um trabalho hoje porque não ficou em Feira, porque se ficar em Feira nós somos pássaros engaiolados (…) O pássaro engaiolado canta divinamente bem, mas tá dentro da gaiola, chamada Feira de Santana (…) Se eu fosse sobreviver só da música em Feira de Santana eu estava morto. Porque não dá. Não dão espaço não.”

Com o passar dos anos, a carreira artística já não ia de vento em popa. Dito precisou catar outras atividades laborais para garantir o pão de cada dia. Trabalhou na Disbal; no laboratório Aché; na própria empresa, e em tantos outros espaços. Ganhou e gastou muito dinheiro. Por sincronia do destino, atualmente trabalha com a venda de carne do sol. Expõe sua banca em frente ao supracitado bar do Vital, a quem tem muito a agradecer. 

Os amores

Dito Leopardo

Músico bastante popular, Dito viveu muitos amores. Diziam da fama d’Os Leopardos: “Beatles em Liverpool, Leopardos em Feira de Santana”. O assédio, como é de se esperar, era muito: “Era só show, namorar e beber. Era bom pra carái (risos)”.

Passado esse apogeu, após o falecimento de Dona Pitá, entrou numa nova fase da vida: a busca pelo sossego, agora, imperiosa. Nessa mesma época, a irmã da sua cunhada, a jovem Magnólia, migrava de Minas Gerais para Feira de Santana em busca de estudo. Dito apaixonou-se, prometeu-lhe casamento, e assim o fez. Mãe de seus três filhos (Milena, Monaliza e Tercio Leur) mesmo com o término, Magnólia é até hoje uma grande amiga.

Depois da separação, conheceu outra mulher igualmente incrível: a Loira. Com ela, estabeleceu um relacionamento de 18 anos, cada um na sua casa, em perfeita eurritmia. Vale frisar, a Loira foi bastante importante no tratamento de uma depressão que o acometeu, após ter boa parte de seu patrimônio roubado. Naquela altura, foi seu alicerce emocional.

“Nessa separação, aconteceu de roubarem minha caminhonete, com toda minha mercadoria dentro. Foi 22 mil reais. Uma pancada segura.(…) Quebrei”, ele lembra.

Atualmente, está com uma pessoa que descreve como “madura” e que o faz muito feliz.

“O homem é vulnerável”

Hoje, aos 66 anos, Dito reconhece a insignificância do ser humano perante os desígnios da natureza. Após descobrir que estava com um tumor no intestino grosso, há 7 anos, o cantor é enfático: “Eu senti a morte”.

Depois da realização de um antigo projeto, a gravação de seu primeiro CD, Dito sentiu fortes dores e precisou ficar hospitalizado. Naquele dia, descobriu que carregava um tumor benigno. Entrou em desespero, e achou que ia morrer. Já que o fim era iminente, decidiu não abrir mão da cachaça.

 

Mas o filho de Dona Pitá soube se levantar. Sempre haverá novos burros Diamantes – aquele que semeou sorrisos por onde pisou. Graças aos amigos, por quem carrega profunda gratidão, começou a pedalar com regularidade e fazer quimioterapia. Sem plano de saúde, foi acolhido no Hospital Dom Pedro de Alcântara e no Clériston Andrade. Sem as amizades, não teria conseguido renascer.

“As amizades, pra mim, é a maior virtude de um homem”.

Por fim, vale frisar: o protagonista desse texto criou uma boa quantidade de obras artísticas. Você pode ter acesso a seus CD’s, filmes e músicas. Aliás, nada melhor que apreciar o talento desse feirense extraordinário. Mais que isso, Dito deixou um estilo de vida icônico que pode servir de inspiração àqueles que decidiram ocupar o mundo corajosamente.