É surpreendente a quantidade de feirenses que exerceram grande papel e influência no cenário artístico nacional, mas que são ignorados pela cidade. Um exemplo importante desse esquecimento é a trajetória da atriz e pintora feirense Edelweiss de Almeida Dias.

Nascida em 1917, Edelweiss participou de clássicos do cinema nacional, a exemplo de Astros em Desfile (1942), Moleque Tião (1943) e Caminho do Céu (1943), estrelados por artistas como Grande Otelo e Emilinha Borba. Ambos foram dirigidos por José Carlos Burle, e produzidos pela Companhia Atlântida Cinematográfica, que àquela época era a maior produtora de filmes do Brasil.

No Teatro, fez parte de um momento histórico, integrando espetáculos como Pelleas e Melisanda (1943), com texto de Maurice Maeterlinck, traduzido por Cecília Meireles, e Vestido de Noiva (1943-5), com texto de Nelson Rodrigues, considerada uma obra de referência do teatro brasileiro.

Edelweiss Dias

A carreira como pintora

Em 1954, com 37 anos, abandonou a carreira de atriz para dedicar-se à pintura. Realizou exposições em várias partes do Brasil, como São Paulo, Florianópolis, Rio de Janeiro e Salvador.

Em 1960 realizou uma exposição em Feira de Santana, sobre a qual disse o seguinte, em entrevista para o jornal Correio da Manhã: “Foi a melhor e mais emocionante de todas: ver meu povo, minha gente, minhas antigas colegas – eu eu celebridade local!”.

Edeweiss

Na mesma matéria (no 5º caderno do Correio da Manhã) , Edelweiss comenta sobre sua obra, permeada por elementos católicos:

Correio da Manhã: Bom dia, Edelweiss. Como é que você pinta seus santos?

Edelweiss: Escutando os seus diálogos com os anjos e com Deus. Rezando. Eu pinto santos como quem reza.

Correio da Manhã: Como é que você pinta suas lendas?

Edelweiss: As lendas ouço da infância. Tiro dos livros, convivo com elas e elas penetram em mim e passam para o pincel.

Correio da Manhã: Como é que você pinta suas gentes?

Edelweiss: Ah! Os tipos populares são impacto de emoção, numa calçada qualquer. Os amigos, menos o físico que a atmosfera que os cerca, que fazem deles os amigos…

A pintora feirense foi casada com o jornalista, escritor, tradutor e arqueólogo austríaco Fred Madersbacher, que imigrou para o Brasil em 1948. Ao Correio da Manhã ele contou uma história curiosa sobre o início da esposa nas artes plásticas:

“Tudo começou no dia que, chegando em casa, o seu marido Fred notou que haviam retirado a porta de um armário.

— Onde está a porta? Indagou.

Edelweiss mostrou-lhe o óleo (retrato de São Jorge em azul, vermelho, roxo e verde, numa bonita composição) suspenso da parede principal da sala de visitas:

— Está ali, querido — respondeu Edelweiss.

Fred não perdeu tempo: no dia seguinte apareceu em casa com uma dúzia de telas.

— Afinal de contas — comenta ele — alguém da casa tem que cuidar dos armários.”

Nessa época morava no Rio de Janeiro, onde tinha o hábito de receber os amigos para servir vatapá e ouvir jazz: “é música que gostou, que me chega ao coração, é música primitiva, e sou absolutamente primitiva”, diz, ainda ao Correio.

A seguir, algumas obras de Edelweiss de Almeida Dias:

Pintura de Edelweiss

Pintura de Edelweiss

Pintura de Edelweiss

Pintura de Edelweiss

Pintura de Edelweiss

 

Os quadros sobre o São Francisco

Edelweiss pintou uma série de quadros tendo as lendas do Rio São Francisco como tema, um sucesso de crítica à época (década de 1960). A seguir, trecho do texto publicado pelo editor da revista “O Cruzeiro”, Accioly Neto, em ampla matéria sobre a obra da artista plástica feirense:

“Essa é Edelweiss, que faz parte de uma curiosa estirpe de artistas plásticas brasileiras modernas, que começa com Tarsila e Noêmia e continua com Djanira. Natural de Feira de Santana, a mais baiana das cidades, que guardou intacta sua tradição sertaneja, mesmo aproximada do litoral irresistível, pelas estradas do progresso.

Edelweiss é um temperamento artístico que se formou na erudição, e, paradoxalmente conservou ao receber a revelação um pouco tardia da pintura, pureza e simplicidade primitivista, indispensável para captar integralmente toda a misteriosa força poética existe nas lendas do São Francisco.

Iniciando sua carreira de pintora no encantamento dos motivos sacros – da maneira direta como sente a presença dos santos, a alma simples do povo – fácil foi o caminho que a levou, irresistivelmente para o clima do São Francisco, para fixar com seu pincel, numa maravilhosa corporificação, a doce presença das Três-Marias, as assombrações de Romãozinho, do Caboclo D’Água e do Mão-Pelada”.

Edelweiss na revista "O Cruzeiro"

Nas pesquisas que fizemos para a publicação deste artigo encontramos referências a um filho e um neto de Edeweiss, mas nada sobre as circunstâncias e data do seu falecimento.