Antes de mais nada, Feira de Santana é uma cidade poética. Pode parecer bairrista essa afirmação vinda de um feirense, ainda mais que, para muitos, essa cidade, perdida no meio do caminho, pode ser a cidade da desilusão, a cidade do desencanto, a cidade dos buracos e dos viadutos, a terra de Lucas (perdoe-me Lucas), a cidade da muamba…

Todo mundo em qualquer canto do mundo, tem algo de ruim a contar sobre Feira!

Contrariando essa máxima, lembro de uma definição feita por Rui Barbosa, que encontrei em umas das crônicas de Eurico Alves Boaventura. “Prestem atenção!”, disse Rui Barbosa, um dia nos idos dos oitocentos: “Feira de Santana é a Petrópolis do sertão”.

Verdade! A Petrópolis do sertão. Difícil de acreditar, não é? Para um feirense como eu, tal como nós, que desacreditou que por essa banda de cá do mundo pudesse prosperar qualquer forma de beleza, é difícil de acreditar!

Veja o caso da nossa Getúlio Vargas. Por vezes é difícil achar qualquer beleza no sol escaldante de nossa avenida mor, ainda mais que as árvores se tornam, cada vez mais, uma espécie em extinção. Um dia ainda há de surgir das nuvens alguém capaz de plantar por essas bandas de cá um pé de sombra. Um dia, quem sabe…

Volto então para o tema principal: Feira é, antes de mais nada, uma cidade poética. Isso temos que concordar! E parafraseando Antônio Brasileiro, professor, poeta, artista visual e tudo mais que se queira ser: “A vida é a contemplação daquela nuvem”.

Antônio Brasileiro

Antônio Brasileiro no documentário Hera (2012)

Então, da crônica de Eurico Alves, dessas nuvens eternizada por Brasileiro, dos versos hediondos de Roberval Pereyr, dos traços mediúnicos de Juraci, da descontinuidade compassada de Uaçaí; da mitologia particular dos versos de Clarissa, das cantigas contemporâneas de Ederval Fernandes, do sertão miúdo e palpável de Markus Viny; dos versos e palavras de tantos outros que por cá deixei de falar, em comum o fato de todos plantarem por essas bandas de cá as nossas árvores de sombras.

Feira é poesia. E a poesia é um pé de sombra plantada ao sol da Getúlio.

Existe um documentário, e essa é a segunda coisa que tenho por falar, que trata bem sobre isso. É o documentário Hera (2012), dirigido por Fabrício Ramos e Camele Lyra Queiroz. Trabalho que recompõe uma das principais manifestações literárias e culturais de Feira de Santana: a revista Hera.

“O documentário aborda o papel da poesia para a nossa cidade, ao apontar para as relações que fizeram daquele movimento, antes de mais nada, uma experiência afetiva”

Espécie de movimento literário, essa publicação reuniu algumas das principais vozes da poesia feirense, que ao longo dos anos consolidou definitivamente em Feira sua vocação poética.

Documentário Hera

Realizadores em plena atividade

Espécie de movimento literário, essa publicação reuniu algumas das principais vozes da poesia feirense, que ao longo dos anos consolidou definitivamente em Feira sua vocação poética.

Falando da revista, o documentário aborda o papel da poesia para a nossa cidade, ao apontar para as relações que fizeram daquele movimento, antes de mais nada, uma experiência afetiva. Participam do documentário alguns dos principais personagens da poesia feirense, tais quais: Antônio Brasileiro, Juraci Dórea, Washington Queiroz, Wilson Pereira de Jesus, Roberval Pereyr e Uaçaí Lopes.

Em resumo, esse trabalho cumpre aquilo que um bom documentário tradicional pode nos dar. Embalado por depoimentos e imagens de arquivos, Hera (2012) reproduz os detalhes da trajetória da revista, remendando discursos e memórias, passado e presente, ao abordar um movimento importantíssimo para a nossa cidade.

Imagem do documentário Hera

Imagem do documentário

Como ponto principal que uniu as diferentes gerações em torno da revista, encontramos aquela mesma inquietude estética, e que tanto acomete a todos nós, feirenses: aquela vontade doida de fazer qualquer coisa de diferente, fazer florescer a mais piegas de todas as nossas metáforas: um legítimo pé de mandacaru, belo e bonito em meio à aridez de uma típica paisagem do sertão.

Em outras palavras, o documentário nos possibilita observar que essa beleza está, antes de mais nada, nas pessoas; pessoas, que, assim como eu e você, procuram, constantemente, o nosso pé de sombra. Não uma miragem ao sol da Getúlio, mas uma árvore de verdade, um pé de sombra plantado por todos esses nossos poetas.

Veja o documentário “Hera” na íntegra:

 

Foto de capa: Wille Marcel