Não sei como funcionavam em outras cidades, mas aqui em Feira todo bairro tinha aqueles estabelecimentos simples, que nos divertiam tanto quanto um parque de diversões, chamados de locadoras de videogame. Geralmente, eram lugares improvisados, garagens, por exemplo, ou espaços onde um dia funcionaram pequenas mercearias ou armarinhos. Neles ficavam dispostas, umas ao lado das outras, as estações de diversão, que eram basicamente: uma televisão, um videogame, dois controles e um banquinho. E isso bastava.

Os donos das locadoras ficavam munidos de caderneta e relógio, onde marcavam o tempo de jogo. Algumas tinham uma tabelinha com o preço da hora, que ficava mais cara à medida que o aparelho de videogame fosse mais avançado.

Quando a locadora era mais moderna, ao invés de caderneta, atrás do balcão ficavam os controles remotos, que eram usados de forma criativa para marcar o tempo de jogo. A função sleep do televisor, que seria usada para programar a TV antes de dormir e fazer com que ela desligasse em um tempo pré-determinado, encaixou-se perfeitamente para a atividade. Ao terminar o tempo, a TV desligava sozinha, evitando o constrangimento de ter que tomar os controles, para dar oportunidade ao próximo da vez.

Com o tempo, foi-se criando a cultura das locadoras, com uma linguagem própria e gírias de difícil entendimento para quem não fosse do meio. Veja a seguir algumas expressões:

Guardar hora

Era o ato de, ao ocorrer uma eventualidade que obrigasse o jogador sair às pressas, (por exemplo, uma bronca da mãe para ir comprar o pão) ou faltasse luz no bairro, o jogador dizia: “guarda minha hora aí”, e o dono prontamente anotava em sua caderneta quanto tempo de jogo ainda lhe restava, pra ser usado num momento mais oportuno.

Jogar de dois

Expressão usada na socialização do seu tempo de jogo, onde se fazia o uso de jogos que permitiam que duas pessoas jogassem simultaneamente. Era também uma forma de economizar grana, pois o preço da hora não variava com a quantidade de jogadores simultâneos. Exemplificando: se eu fosse jogar uma hora sozinho e o meu amigo também, era mais vantagem, desde que o jogo agradasse ambos, jogar duas horas juntos.

Quem perder entrega

Era uma forma de jogar que funcionava como um torneio. Era posto algum jogo em que pudesse determinar o tempo de partidas, como os jogos de futebol, e, quem perdesse, passava o controle pro próximo amigo. Essa era a modalidade mais econômica pois gerava diversão pra turma toda, apesar de cada um só jogar um pouco. Também era uma modalidade não muito bem-vista pelos donos da locadora, que viam o estabelecimento encher, e o seu caixa, não.


 

Por parte dos donos, haviam métodos de restrição e punição aos jogadores mal comportados:

Não toque no equipamento

“Em sua casa você mexe na televisão, aqui, quem mexe sou eu” – diziam os donos. Aumentar volume, alterar brilho, cor da televisão, nem pensar. Se tocasse no console do videogame então… era uma ameaça constante de corte de tempo. Tudo isso em prol de garantir mais alguns meses de uso sem precisar levar o equipamento pra assistência técnica.

Derrubou o controle, perde a hora

Essa punição era a mais temida pelos jogadores. Era simples assim: se derrubasse o controle no chão, adeus o tempo de jogo e consequentemente a graninha investida. Se o jogador estivesse tenso ou fizesse calor, sua mão suaria e o medo de derrubar o controle aumentava. Os jogadores mais experientes enxugavam as mão de vez em quando, na camisa, para dificultar a queda.

Quem nasceu em meados dos anos 80 sabe a importância que toda a cultura atrelada aos videogames teve em nossa geração. Vale a lembrança com saudades de uma época que abriu as portas da era digital em que vivemos hoje. Aqui em meu bairro, não era dono de locadora, e sim dona, eu gostava de jogar futebol e corrida “de dois”, e tomava bastante cuidado pra não derrubar o controle. E você?