É difícil circular pelo centro de Feira de Santana. A avenida Senhor dos Passos, por exemplo, conta com calçada larga e o trânsito de pedestres, ali, deveria ser tranquilo. Porém, quem passa pela avenida enxerga uma infinidade de barracas revestidas com plástico preto, voltadas para a calçada, disputando a atenção dos transeuntes. Espaço ali é artigo raro: dá trabalho encontrar uma brecha que dê acesso à avenida. Note-se que a ocupação daquela calçada é mais tardia, intensificando-se a partir da primeira metade da década passada.
No calçadão da Sales Barbosa a disputa é ainda mais intensa. Sobra pouco espaço entre as portas das lojas e os mostruários das barracas metálicas dos ambulantes. O declive da rua torna a caminhada ainda mais trabalhosa, porque é comum esbarrar em confecções, bolsas e outros produtos ostensivamente pendurados.
“Em algumas artérias, nem as calçadas estreitíssimas impedem a fixação de vendedores”
A realidade não é muito diferente no emaranhado de becos, sobretudo naqueles com maior circulação de pedestres, que conectam o centro da cidade. E também na rua Marechal Deodoro, na Conselheiro Franco e na rua Recife, que conduz ao Centro de Abastecimento. Em algumas artérias, nem as calçadas estreitíssimas impedem a fixação de vendedores. Caos não é elementos de retórica nas referências ao centro da cidade: é a rotina, o corriqueiro.
O ordenamento do centro da cidade é algo que se discute há décadas, com raras e, normalmente, inócuas ações concretas. Para piorar, veio a avassaladora crise econômica que empurrou muita gente do trabalho formal para a aventura de tirar o sustento do comércio de rua. O esforço do ordenamento, que já era dramático, adquiriu proporções hercúleas.
Eterno embate
O comércio de rua na Feira de Santana é plural: envolve desde quinquilharias eletrônicas até uma infinidade de acessórios, passando por confecções, bolsas, bonés, calçados, lanches e refeições, artigos domésticos. Até o prosaico veneno “chumbinho” é vendido pelas esquinas. Essa diversidade abriga também os vendedores de frutas, verduras e legumes, que constituem parcela substantiva dos ambulantes.
Foram eles que protagonizaram um protesto essa semana, com interrupção de trânsito no centro da cidade. Como invariavelmente acontece, surgiram congestionamentos e a polícia foi convocada, escorraçando os manifestantes. Coisa de script antigo, que ajudou a construir o cenário atual. Os discursos posteriores reproduziram as justificativas e as explicações de praxe.
“O conflito ocorre enquanto a estrutura do festejado shopping popular vai se erguendo, sufocando o maltratado Centro de Abastecimento.”
O conflito ocorre enquanto a estrutura do festejado shopping popular vai se erguendo, sufocando o maltratado Centro de Abastecimento. Vende-se a obra como solução definitiva para o ordenamento do centro comercial. As controvérsias, no entanto, se avolumam e há evidente insatisfação de muitos camelôs, temerosos com a repercussão sobre as vendas. A própria taxa a ser paga à administração do equipamento provoca inquietação. Em qualquer conversa in off é possível constatar essas insatisfações.
O problema é complexo e envolve muitos interesses distintos, inclusive divergentes. Como o roteiro da solução, até aqui, não passou pela construção de consensos – ressaltando, claro, que as unanimidades são utópicas – é provável que os conflitos prossigam adiante, integrando-se ao enredo de uma interminável novela. Com ou sem shopping popular.