Outro dia, peguei Robson.
Não exatamente “peguei”, no sentido em que vossas consagradas cabeças maliciosas estão pensando. Eu não botei minha língua na boca dele.
Robson é ligeirinho. Eu usufrui de seus serviços clandestinos de transporte alternativo.
É sempre uma viagem andar com Robson. Porque ele é o mais atípico dos ligeirinhos. É o mais lento, mas o mais organizado. Ele transforma um Fox em minivan e leva 70 pessoas — confortavelmente.
Para honra e glória de Oxalá, eu fui na frente. Sozinho. Uma raridade, às 7 da manhã no Parque Lagoa Subaé.
Meu bairro não é dos mais populosos, mas estimo que esteja aí na faixa das 3, 4 mil pessoas. A maioria preta, com poucas famílias na classe média. Agora, por exemplo, é que se vêm pensando em uma lotérica lá.
Eu estava meio cansado, então, se pudesse, teria dormido. Mas não consegui. Estava passando o programa do Carlos Geílson, quando alguém puxou o assunto Magno Malta.
Robson tem cara de crente. Mas já vi ele tomando uma no shopping. Então não sei.
— Rapaz, esse cara aí diz ser crente. Ele ganhou fama com aquela CPI lá da pedofilia. Aí acusou um cara que era trabalhador. Quebraram o cara na cadeia, quase mataram. Aí o cara perdeu a visão de um olho e quase do outro. Aí, tá aí inválido.
Um cara, no fundo, puxou:
— E tu votou em quem, Robson?
— No primeiro turno eu votei no Ciro Gomes, no segundo eu votei no Haddad.
— Ciro era uma boa. Entrei na conversa.
— Ciro é bom, mas ele parece não querer ganhar as eleições. Toda candidatura é a mesma coisa: ele fala, fala, mostra porque é inteligente e só. Ele quer ser o Lula com faculdade. Mas ele não tem plano de governo. Tem plano dele. Não dá pra pensar quem seria o Ministro da Economia com o Ciro Gomes, porque ele é melhor que qualquer um, tá ligado?
Ninguém entendeu. Precisava contextualizar.
— Imagina o Zé Ronaldo na presidência. Pronto, o Ciro é a mesma coisa.
Eles riram. Agora entenderam.
Tive que descer, chegou meu ponto. Mas o papo continuou. O bom de conversar com quem é de periferia sobre política é ver um bom conhecimento da máquina, mesmo sem base teórica. Só com observação da rua.
De noite, fui na faculdade. E depois da casa de um amigo de um amigo. Bebi Cantina e joguei aquele jogo dos animais, especializado em fazer gente beber.
Na volta, pedi pra meu amigo pedir um Uber. Acineto, o nome do levador de gente.
Eu não sou de usar o serviço, nem tenho o aplicativo no meu celular. Uber é um passo para a branquitude. Porém, eu estava na Matriz, e já estava um pouco tarde.
Quando o cara chegou, percebi que ele tava cansado. Eu também estaria. Não havia música tocando. Começou a falar do trajeto, dos passageiros, essas coisas pra não deixar o clima morrer.
— Aquele carro ali é Uber. Já me bati com ele, algumas vezes.
— Dá pra tirar uma grana com isso?
— Rapaz, pra mim é um bico. Eu sou caminhoneiro, só rodo nas folgas. Mas tem uns malucos aí que ficam o dia inteiro rodando. Eu faço isso não. Cansaço da porra.
Pensei “daqui a pouco ele puxa política”. Nada. Uber que não fala de política, pra mim, é ligeirinho. Os caras tem um gosto em puxar esse assunto e falar “eu era engenheiro, agora rodo em aplicativo”, como se o passageiro fosse ficar com dó e dar uma obra de gorjeta.
Mas Acineto era caminhoneiro. E caminhoneiros tem suas prioridades.
— Porra, não tô conseguindo baixar o CD novo de Ferrugem no Sua Música.
— Ele deve ter tirado, tá agora só no Spotify.
— No quê?
— Spotify.
— Spotify?
— É um aplicativo de música.
— Acho que já falaram dele comigo. Mas é pago, né?
— Tem de graça, mas pago é melhor.
— Aí não presta pra mim não. Pagar pra ouvir música?
Sensato. Por isso nunca usei conta premium no Spotify.