Durante a penúltima sessão do ano de 2015, realizada no dia 14 de dezembro, na Câmara de Vereadores de Feira de Santana, os mais atentos aos debates políticos da cidade puderam acompanhar toda uma confusão em torno da votação do projeto de lei que dispõe sobre a composição do Conselho de Municipal de Cultura. A confusão era por conta da expressão “orientação sexual” presente no texto do projeto.

A proposta de emenda do vereador Isaías de Diogo (PPS) pedia a retirada da expressão do projeto, no entanto, o regimento não permitia o procedimento. Por conta dessa proibição, a bancada evangélica, e outros vereadores, votaram contra a referida matéria.

Essa não é a primeira polêmica em torno de questões que, para alguns, ferem a moral religiosa. Recentemente, a Secretaria Municipal de Educação propôs uma cartilha para as escolas municipais, que trariam em seu conteúdo a discussão sobre orientação sexual. Essa matéria também não foi aceita pela bancada evangélica por “ferir os princípios religiosos”.

Outra reação ao tema foi em relação ao beijo lésbico em uma telenovela exibida nacionalmente na Rede Globo, este ano. A cena em questão foi rechaçada com uma moção de repúdio que teve amplo apoio dos membros da casa.

A ideia de dar nomes de orixás do candomblé para algumas ruas da cidade também não passou durante outra votação.

Para entender um pouco as linhas de pensamento daqueles que o eleitor escolheu para representar seus anseios na Casa da Cidadania, buscamos a opinião de alguns vereadores do município sobre as situações acima, e alguns deles expuseram de forma franca e honesta as suas visões acerca do posicionamento político e o direcionamento dado a questões delicadas por conta da religião.

O primeiro foi o vereador Everton Carneiro da Costa, conhecido como Tom, do PTN, evangélico da Igreja Quadrangular. O vereador nos contou que desde os 12 anos de idade já tinha contato com a religião evangélica, e que na fase adulta foi se aprofundando cada vez mais na vivência da religião.

Exercendo o segundo mandato, Tom tem como bandeira principal a defesa dos princípios da Bíblia e da família formada por um homem e uma mulher. “A minha luta é para defender os princípios da Bíblia, da família. Sou contra o aborto, não posso comungar indo de encontro a Jesus. Não posso ir de encontro a Deus. Não posso ir contra a união do sexo feminino e masculino. Mas eu não tenho ódio das pessoas de outras religiões, tenho amigos. Pode ter certeza que vindo projetos que vá de encontro a esses princípios que eu acredito eu vou votar contra. Eu tenho que defender o que eu vivo, que é uma família formada pelo homem e pela mulher”, ressalta.

“Votei contra o projeto de mudanças do nome de rua. Os novos nomes seriam de orixás e eu não tenho nada contra, mas me senti no direito de votar contra”

Ele também falou sobre seu posicionamento quanto a alguns projetos que geraram polêmica, como o que previa a mudança de nomes de ruas que passariam a ter nomes de orixás, e a constituição de uma comissão LGBTT na Câmara.

“Votei contra o projeto de mudanças do nome de rua. Os novos nomes seriam de orixás e eu não tenho nada contra, mas me senti no direito de votar contra. Também foi tramitada uma comissão LGBTT para se fazer presente nesta casa, apresentada pelo vereador Ângelo Almeida e eu votei contra porque vai de encontro à Bíblia”.

O vereador afirma que não defende projetos voltados diretamente para os cidadãos evangélicos, pois entende que não pode beneficiar apenas um seguimento. “Mas eu também não posso fazer projetos que beneficiem só o povo evangélico, seria egoísmo. Não posso fazer isso. Eu respeito, evangelizo, mas quem me colocou aqui foi Deus. Não vou mudar nenhuma vírgula da minha posição. Não estou preocupado em quem vota ou não em mim. Eu estou com a minha cabeça erguida representando essa massa evangélica que tem crescido bastante na cidade”.

Tom diz que já é chegada a hora de Feira Santana ter um prefeito evangélico, devido ao crescimento da “massa evangélica” que ele se refere. Ele também destaca o crescimento da bancada evangélica, hoje com nove representantes, tendo nomes como Edvaldo Lima (PP), Eli Ribeiro (PRB), Isaías de Diogo (PPS), o próprio Tom, entre outros. “Hoje a bancada cresceu. Conseguimos suprimir o artigo do projeto que ia liberar a cartilha gay para o município e foi uma vitória da bancada. Vejo que já é hora da cidade ter um prefeito evangélico. Não descriminando outras religiões, pois damos amor e apoio”, disse o vereador.

“A bancada evangélica votou contra pela intolerância. Foi intencional porque feria os princípios evangélicos”

Outro vereador que também votou contra o projeto sobre a composição do Conselho de Cultura foi Beldes Ramos (PT). Segundo ele, a motivação nada teve a ver com princípios religiosos, e sim com outras questões do projeto que ele discorda. Beldes faz oposição ao governo municipal, é católico, e tem críticas à forma como projetos ligados a algumas minorias, a exemplo da comunidade LGBTT, vêm sendo tratados pela casa.

“Aqui na casa houve a votação para acrescentar a nova composição do Conselho de Cultura, e lá tem um artigo que direciona um recurso voltado para atender a camada (grupos LGBTT). E a bancada evangélica votou contra pela intolerância. Foi intencional porque feria os princípios evangélicos. Eu votei contra por outras questões”.

Para o vereador, a religião está relacionada a princípios, porém, no exercício da função é preciso desprender-se desses princípios e garantir a igualdade para todos. “Eu sou católico. Primeiro, a religião é algo de princípio, algo que baliza nossa vida, independentemente de religião, toda religião tem uma finalidade que é trabalhar em benefício do outro. Vejo muitos católicos e evangélicos pautados nos princípios religiosos, desligados da nossa vivência atual. Hoje nós temos segmentos que são considerados como minoria, como gays, lésbicas, e às vezes a bancada deixa de votar em projetos que vão beneficiar essas classes por causa de princípios religiosos. O que temos que observar é que independente de cor, de gênero ou religião, nós vereadores estamos aqui para garantir o direito de igualdade do cidadão. Nós devemos nos desprender desses princípios e garantir a igualdade. Isso é a obrigação do Estado”.

Ele também opinou sobre a cartilha que seria destinada às escolas municipais. “Eu não vejo nada demais na cartilha com orientações sobre homossexualidade. O pensamento dos evangélicos coloca que a cartilha é um direcionamento para a criança ser gay. Não concordo com isso. O mundo em que nós vivemos é o de pessoas que tem sua condição sexual e que não podemos ser intolerantes. Temos que fazer os nossos filhos aprenderem a conviver com as diferenças. Eu tenho algumas ressalvas em relação à cartilha, mas não por isso”.

O vereador Edvaldo Lima (PP), que é pastor da Igreja Assembleia de Deus, também se posicionou em discurso na sessão do dia 15 de dezembro, afirmando que o projeto acerca da composição do Conselho de Cultura seria o “projeto do demônio”.

“Eu nunca vi na história de nenhuma nação que o homossexualismo fosse cultura, mas o projeto que chegou nessa casa falava de cultura sexual. Eu nunca entendi, por que o sexo é coisa boa, foi Deus que deixou, mas nunca entendi como cultura. O sexo é normal entre casamento, fora disso é tudo prostituição. Parabéns aos vereadores e os da bancada evangélica. Deus abençoe o que vocês fizeram prevalecer aqui. Esse projeto do demônio que chegou nessa casa”, enfatizou o vereador. Veja aqui o vídeo do discurso.

Sobre a composição dos conselhos de cultura, o Ministério da Cultura (MINC), no Guia de Orientações, recomenda quem deve ter assento:

“Além dos segmentos artísticos, os setores ligados à economia da cultura (trabalhadores, empresários e produtores culturais) e os movimentos sociais de identidade, como os que representam as etnias (culturais indígenas, afro-brasileiras, de imigrantes, entre outras), as identidades sexuais (de gênero, transgênero e de orientação sexual) e as faixas etárias (como os movimentos de juventude, por exemplo). Também devem ter assento, representantes de circunscrições territoriais (bairros, distritos, povoados) e de organizações não governamentais ligadas ao tema da cultura”. (MINC, 2011, p. 39)

A Câmara Municipal de Feira de Santana encontra-se em recesso, retornando suas atividades em fevereiro de 2016, quando deve retomar o debate sobre a composição do Conselho de Cultura na cidade.