Em tempos de abastança financeira, muita gente simplesmente compra outro calçado quando o que usa é danificado, mas quem não pode se dar esse luxo geralmente busca consertar o calçado, pagando bem menos do que pagaria em um novo. Nesse contexto surge o sapateiro, profissão antiga e hoje pouco valorizada. Em Feira de Santana, estes profissionais encontram-se concentrados principalmente no estacionamento em frente à Prefeitura.

Para complementar as opções de trabalho, além de calçados eles consertam outros objetos, como bolsas, carteiras e cintos. Ao conversar com esses tradicionais profissionais, eles asseguram a qualidade no serviço, e dizem que seus conhecimentos são passados de pai para filho. São gerações que não deixam morrer uma profissão honrosa e suada. Conheça a seguir algumas histórias desses simbólicos trabalhadores feirenses:

Seu Paulo

Sapateiros de Feira

Há 8 anos Paulo Araújo trabalha na frente da Prefeitura. Sente orgulho de ser sapateiro. Junto com o filho, fazem a renda familiar consertando sapatos, ofício que ele realiza há trinta e seis anos. Ele diz não se sentir confortável no local, e diz que há muito tempo espera uma reação da Prefeitura para melhorar sua condição de trabalho: “Isso não é patrimônio meu, é da Prefeitura. Mas é o lugar que ela cedeu para meu trabalho.”

O espaço, que foi construído antes dos anos 2000, encontra-se do mesmo jeito desde que foi cedido aos sapateiros. Sem cobertura adequada para colocar os materiais e ferramentas, não há sanitário para os sapateiros e seus clientes e, segundo Seu Paulo, há deficiência na limpeza pública.

“Vou trabalhar até morrer. Estou com 67 anos e quero trabalhar mais. Quero prodígio no meu trabalho.”

Ele reclama também de alguns colegas: “Os coligados não ajudam. Não faz uma coisa com perfeição. Era para um ajudar o outro. Tinha que ser organizado, barraquinha, cobertinha, para trabalhar e quando der a noite não ficar arrumando esse negócio.”

Ele diz que, ao chover, suas ferramentas e os calçados dos clientes são molhados, pois não há proteção. Mesmo aposentado, ele diz: “Eu não vou deixar de trabalhar nunca. Vou trabalhar até morrer. Estou com 67 anos e quero trabalhar mais. Quero prodígio no meu trabalho.”

Seu Carlito

Há mais de quarenta e cinco anos trabalhando no ramo, Seu Carlito é uma lenda viva entre os sapateiros. Tendo um vasto material de conserto, também tira o sustento de toda a família com a renda desse trabalho.

Os sapateiros de Feira

Segundo ele, o negócio melhora quando há festas, momento em que os clientes vão levar seus calçados para conserto. Ele lembra que onde trabalha hoje era uma feira livre extensa, que ia até a Maria Quitéria. Sentado em uma cadeira plástica, sustentando o calçado e a ferramenta na mão, ele reclama: “Está precisando de uma reforma aqui! Aqui nós fazemos tudo. Troca solado, cola sapato, fura cinto e troca fivela.”

Seu Josias

As pessoas vão até ele levar o calçado com a garantia de que receberão pronto no fim da tarde. O prazo máximo que ele dá ao cliente para pegar seu objeto, realizando o pagamento, é de trinta dias. Caso o cliente não retorne nesse tprazo, ele fica com o calçado como pagamento, para não perder o dinheiro do seu esforço.

Esse é Seu Josias, que nos diz: “O concerto sai quinze, o cliente pede para pagar dez. Às vezes sai dez e pede para abaixar pra bem menos.”

Ele afirma que a maioria dos clientes são mulheres, e que costuma consertar trinta pares de calçados por dia. Para costurar leva uma hora, para colar são vinte minutos.

Seu Josias não nega o orgulho de ser sapateiro, profissão aprendeu do pai, que faleceu, e ele assumiu o posto. Já tem cerca de quarenta anos na mesma profissão, que pretende deixar de herança para o filho.

“Hoje são muito pacíficos uns com os outros, chegando ao ponto de comemorarem juntos aniversário, com parabéns e roda musical.”

Como os demais sapateiros, Seu Josias pede melhorias no local. Segundo ele, já houve casos de arrombamento nos quiosques e barracas, onde roubaram colas e outros materiais. Além disso, critica o mau cheiro de urina gerado por pessoas que fazem necessidades entre os quiosques, já que falta sanitários. Uma lanchonete ao lado do quiosque de Seu Josias concede a ele e outros colegas a entrada para que façam suas necessidades no banheiro.

“É complicado. Ele deixa usar aqui na lanchonete porque ele quer, mas não é obrigado. Quem deve fazer algo mesmo é o Prefeito. Precisamos de uma reforma.”

Seu Josias lembra que durante uma época ele e os colegas tiveram conflitos com sapateiros de outros estados, que “roubavam clientes”. Fora esse acontecimento, nunca mais houve confusão. Hoje são muito pacíficos uns com os outros, chegando ao ponto de comemorarem juntos aniversário, com parabéns e roda musical.

Quando estiver passando no centro de Feira, passeie um pouco entre os sapateiros na frente da Prefeitura. Ali está mais um resquício da Feira de gente simples, trabalhadora, que tira seu sustento sob o sol do dia, e na lida diária com os fregueses que vem e vão.