Quem tem andado pelas ruas de Feira de Santana nos últimos anos nota o aumento da quantidade de pedintes e vendedores informais nas sinaleiras da cidade – consequência óbvia do deserto econômico por que passa o país. Peregrinando entre os carros, na esperança de que um vidro se abra e uma mão se estenda, essas pessoas buscam o sustento básico da família, a ajuda para a compra de um remédio ou a fralda para um filho.
Na cidade-entroncamento, não é de espantar que muitos desses habitantes das encruzilhadas sejam de fora do município, do estado e do país. É o caso de dois jovens venezuelanos que tentavam a sorte no cruzamento entre as avenidas Maria Quitéria e Presidente Dutra, na manhã desta fria sexta-feira (19): Carlos, de 24 anos, e Daniel, de 20 anos.
Para sensibilizar os motoristas, ostentavam um cartaz com os seguintes dizeres, supondo que os feirenses compreendem o drama vivido no país vizinho:
Daniel explica por que fugiu de seu país: “Agora é uma situação muito difícil. Porque se você tem dinheiro, não tem comida para comprar. No supermercado não tem comida. O dinheiro não vale para nada! Por isso nós viemos embora”.
Carlos ratifica o que Daniel diz: “o que nós temos é petróleo, mas ninguém usa petróleo para comer. Tem dinheiro, mas não tem o que comprar, porque ninguém produz alimento”.
A Venezuela, um dos países com grandes reservas de petróleo no mundo, sustentou sua população durante muito tempo com a importação de alimentos e outros insumos. Isso porque o preço do petróleo estava em alta: entre 2003 e 2011, o valor foi de U$$40 para U$$110 o barril.
Enquanto os excedentes de dólar mantinham o país abastecido, a capacidade interna de produção foi defasando, diminuindo significativamente a industrialização e a estrutura agropecuária. Entre 2008 e 2018, a produção de comida no país caiu pela metade.
O retorno do petróleo a patamares mais conservadores (em 2019 o preço do barril está na faixa dos U$$60), e a falta de investimento dos governos Chávez e Maduro em uma economia sólida, fomentando a produção interna, levou o país a uma crise aguda.
A Venezuela é uma ditadura?
Entender os movimentos políticos na Venezuela não é algo simples. Desde a década de 80 o país tem idas e vindas autocráticas no campo da esquerda e da direita. O vídeo a seguir, do Nexo Jornal, mostra bem como o país se conduziu de maneira instável até aqui:
Nem Carlos nem Daniel titubeiam ao serem perguntados se o que acontece na Venezuela atualmente é uma ditadura: “Ditadura de Maduro!”, diz Daniel. “Você não pode falar mal de Maduro. Você não pode ir à televisão dizer que está passando necessidade. Na tevê só se fala o que ele quer que falem. Se ele não gosta, não é transmitido na mídia. Se não ele corta os canais, bloqueia”, afirma.
Para Carlos, Nicolás Maduro está isolado, e se mantêm no governo por causa dos militares: “Ele tem muito apoio dos militares. Ele só tem os militares. O povo está contra ele. Na última eleição ele inventou uma forma de se reeleger. A eleição foi manipulada!”
A morte, segundo Carlos, não é uma possibilidade distante para quem se opõe ao governo: “Se você está numa manifestação com dezenas de pessoas, e passar na linha feita pela polícia, eles atiram em você. As pessoas então ficam com medo de perder sua vida. É difícil!”.
A oposição e os países estrangeiros
Mesmo sendo críticos ao governo Maduro, Carlos e Daniel não aceitam o movimento feito pela oposição. Sobre Juan Guaidó, que se autoproclamou presidente da Venezuela, Carlos diz: “Esse é outro ladrão. Muito parecido com a ditadura que está lá agora. A mudança não seria muita (caso assumisse o poder).”
“Outros países intervêm muito, mas só buscam benefícios: o petróleo”
Daniel reconhece que atualmente a Venezuela é um território influenciado por vários países estrangeiros – cita especialmente a Rússia, os Estados Unidos e a Colômbia. Mas não tem esperanças de boas intenções dessas nações: “Outros países intervêm muito, mas só buscam benefícios: o petróleo. O povo Venezuelano que tem que fazer algo, tomar o país. Mas é muito difícil, porque eles têm muitas armas. Eles matam muita gente”.
O destino
Embora sejam originados do mesmo país, Carlos e Daniel se conheceram no Brasil, em Campo Grande-MS. Por terem história parecida, resolveram se aliar: “Preferimos andar juntos, para nos cuidarmos entre nós”, diz Carlos.
Em Feira, estão arrecadando dinheiro para a passagem de ônibus que os levarão a São Paulo. Lá, Carlos tem um amigo brasileiro, que também conheceu na rua, que lhe prometeu conseguir emprego.
Não sabe ao certo onde irá encontrar o amigo, nem se o emprego, um privilégio no Brasil em que vivemos, estará realmente disponível. Apenas segue em busca de vida melhor, dizendo “gracias” por cada moeda que lhe colocam na mão.