Filho da lavadeira Maria José de Sousa e  do soldado Eufrazio Paulo de Souza, Aloísio Resende nasceu em Feira de Santana no dia 26 de outubro de 1900. Negro, Aloísio teve a oportunidade de ser apadrinhado educacional e financeiramente pela senhora Laura Resende, de quem assumiu o sobrenome.

Segundo a pesquisadora Alexandra Vieira de Carvalho, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Aloísio Resende, por ter tido um amparo diferenciado das outras crianças feirenses “de cor”, adotado por uma mulher pertencente a um grupo de prestígio em Feira de Santana, foi ajudado a ocupar a posição de revisor do Jornal Folha do Norte e posteriormente de redator.

Assim, nas décadas de 1930 e 1940, Aloísio tornou-se referência literária em Feira de Santana, ao publicar poesias no Folha do Norte que hoje chamam a atenção de pesquisadores pelas constantes referências à cultura africana, notadamente ao candomblé. Abaixo, o poema “No Bembé” (1940), onde Aloísio faz referência a uma festa de terreiro:

No Bembé

Apaga-se distante o sol. Tarde
Morre. Súbto a noite estiada cai
Da gente alegre que ao terreiro sai,
Pouco e pouco, a fogueira aos gritos arde.

Queima. Crepta e se abre em chama viva.
Rubra língua de fôgo, que se estende
Pelo ar macio, ao vento, baila. Esplende.
E o espaço, em torno, de fagulhas criva.

Enqunto á luz vermelha dos tições
Tocam-se bombas, que se atiram ao léo,
Riscam rútilos raios pelo céu
Os raivosos e rápidos rojões.

Animado, começa, enfim, o samba,
À volta, toda, ali, da tal fogueira.
E a macumba se fórma, então, ligeira,
Que a noite velha, ao longe, já descamba.

Salva o Batista a roda inteira. Canta
Dos tabaques, ao som, que, além, resôa.
Doida mulata o corpo quebra á toa.
E, a todas as demais, ora suplanta.

E pula na fogueira feita em brasa
A mulher, sobrea qual baixou Inhaçan.
E o fôgo, aos seus pés nús, é coisa vã,
Pois a dona do raio o gesto apraza.

Ronca fundo o tabaque. O samba ferve
Acompanhado de africana orquestra.
Bate aos meneiros da mulata destra,
Cuja dança, ao Brasil, de espanto, serve.

A cantiga infernal nos ares erra
E o dia surge, agora, lentamente…
E, enquanto a mulher dança, ao fogo ardente,
Desce a lua no píncaro da serra…

(No bembé, Folha do Norte, 29 jun. 1940, n.º 1616: 01)

 

Aloísio Resende

O poeta e crítico literário Silvério Duque lembra que a obra de Aloísio Resende não pode ser vista apenas sob o viés da sua trajetória biográfica, e elogia a “ouriversaria panasiana” na poesia de Resende. Para Silvério, nas análises da obra do poeta feirense há uma confusão parecida com a a feita com Augusto dos Anjos, poeta costumeiramente classificado como “cientificista”:

“No caso de Aloísio Resende, os elementos oriundos das religiões africanas parecem, à atordoada crítica literária predominante no Brasil, muito mais importantes do que os próprios poemas que os utilizam para fins que vão muito além do que eles representam. O mesmo erro que cometam há anos com o Augusto dos Anjos ao rotulá-lo de “poeta cientificista” quando este dito “cientificismo” é só mais um caminho para algo que vai muito além. O mesmo acontece com os elementos “afrodescendentes”, na poesia de Aloísio Resende: não passam de tijolos de uma construção maior e que vai muito além da mera referência étnica. E digo mais: o erotismo apresentado em praticamente todo a sua obra poética é muito mais intenso e centralizado e é um elemento primordial de seus poemas para o qual a sua dita africanidade trabalha intensamente. É só recordar de trechos como o do poema Iemanjá, onde a idéia que do objeto contemplado é maior do que o próprio objeto:

Quando, às vezes, obter se lhe pretende a graça,

dão-se-lhe macumba os mais lindos presentes,
pois, só mesmo Iemanjá, ditosos dias traça,
aos tristes corações de amores padecentes.”

A importante observação de Silvério Duque, que não pode ser ignorada por quem deseje analisar a poesia de Aloísio Resende do ponto de vista estético-poético, não anula (o próprio Silvério admite) a trajetória moral, social e política do sujeito Aloísio, certamente uma exceção significativa entre os intelectuais de sua época.

Se atualmente afirmar-se simpatizante e praticante do candomblé, por exemplo, é um ato político com significativas implicações, o que dizer do contexto vivido por um negro nascido apenas 11 anos após a abolição da escravatura, redator no principal jornal de Feira de Santana, referindo-se comumente a temas ligados à cultura africana.

Alexandra Vieira atesta a importância histórica de Aloísio Resende: “Em suas crônicas e poesias, Resende apresentava os costumes e especificidades dos afro-descendentes, fazia a defesa dos pobres, que em sua maioria, eram também negros. O escritor apresentava uma capacidade de penetrar nos espaços de prestígio e nos subúrbios da cidade. Resende era um homem que não se conformava com a sua realidade e buscava intervir politicamente com o propósito de melhorá-la. Era um poeta negro, ‘revoltado contra o destino’ e fez da palavra impressa a sua maior arma contra aqueles que usavam ‘capa de honradez'”.

Finalizando esta humilde referência que fazemos ao poeta feirense, deixamos o poema “Saudade”, escrito por Resende após passar um período longe de Feira de Santana, e o poema “Bozó”, onde vários elementos do Candomblé são destacados:

Saudade

Saudade! Acervo e longe suspirar
De um peito exúl, aflito e lacerado!

Saudade! Ao longe o vasto e cavo mar
Gemendo, á tarde, plácido e magoado!
Saudade! Evocação do meu passado,
Sonhos meus de amor dispersos pelo ar!
Meu triste coração, já desolado,
Exausto de sofrer e de chorar!

Saudade! A sedução de minha terra,
Em branda noite de perfume e prata,
Que tanto enlevo e resplendor encerra!

Saudade! Olhos chorosos de quem ama!
Voz de araponga a se perder na mata
E o sol morrendo no horizonte em chama!

Salvador, 1922


Bozó

Bozó, que o vulgo o faz de pipoca e novelo,
De pano de cor preta e de cor encarnada,
Que a gente se amedronta e se apavora ao vê-lo,
Solto ali, para o mal, na paz da encruzilhada;

Bozó, que veio lá da escravisada Costa,
Serve para dar vida e dar ventura, sim,
Para prender o amor de alguém de quem se gosta
Ou dar a quem se odeia o mais horrível fim.

Bozó de pinto preto e de moedas de cobre,
De bonecas de pano, alfinetes e vela,
Que do pobre faz rico faz pobre,
Que faz esta querida e desprezada aquela;

Bozó, que a todo mundo assusta e atemoriza,
Que surge, muita vez, á soleira das portas,
Não raro dá-se mal quem por cima lhe pisa,
Na sinistra mudez das negras coisas mortas.

Farofa de dendê, pano branco e charuto,
De tudo isso se vê no macabro bozó,
Que vingativo ser, perversamente astuto,
Para danos causar, pureza de tão só.

Bozó de que a gentalha á volta se aglomera,
Alegre da surprêsa, em clamorosa grita,
Entanto, algum receio em cada qual impera
De tocar, por gracêjo, a mixórdia esquisita.

Bozó, que mete mêdo a quem por êle passa,
Que aparece, à manhã, nas esquinas, disperso,
É penúncio para uns de proxíma desgraça,
Outros lhe dão, porém, sentido bem diverso.

Muita gente não crê. Mas, si a cabeça dóe,
Si o giro do negócio agora não dá certo,
Ou, si acaso em desgosto o coração lhe róe,
Impressionado corre ao canzuá mais perto

(Bozó, Folha do Norte, 04 mai. 1940, n.º 1608: 01)