Em uma cidade da grandeza de Feira de Santana é difícil existirem personagens que despontem com protagonismo em alguma área da experiência humana. Geralmente, os referenciais são difusos, como ocorre, por exemplo, na poesia ou na música feirense. É difícil nomear apenas um poeta, ou apenas um músico, que represente a história dessas artes na cidade.

No caso da dança, esse cenário é diferente, por conta do grande papel exercido pela dançarina Ângela Oliveira, nascida em 1953, filha do médico Dr. Herval Monteiro de Oliveira e da Professora Eli Queiroz de Oliveira. Desde nova Ângela mostrou-se interessada pelas artes, a ponto de ter ido morar em Salvador, na casa de tios, em 1968 (com 15 anos), onde fez parte do Grupo de Dança Contemporânea da UFBA onde, posteriormente, foi aprovada no vestibular do curso de Dança, formando-se na primeira turma da Universidade.

O Grupo foi criado por uma das grandes referências da dança na Bahia, o norte-americano Clyde Alafiju Morgan, que é professor de dança, músico, artista plástico, coreógrafo e atualmente o único norte-americano membro da diretoria do tradicional afoxé Filhos de Gandhy, em Salvador.

A dançarina Ângela Oliveira

A dançarina Ângela Oliveira, em 1968. Foto: Acervo Earte.

Entusiasmada com os aprendizados na capital, Ângela resolveu disseminar em Feira de Santana seus conhecimentos, e fundou, em 1972, a Earte, a primeira escola de dança de Feira, que começou a funcionar na casa dos pais da dançarina, na Rua Castro Alves. “Ângela era muito inteligente, tinha muita perspicácia, era muito sensível. Ela se destacava! Onde ela estivesse, acabava se destacando… Inclusive pela beleza”, diz Luiz Augusto Oliveira, irmão de Ângela e atual administrador da Earte.

“Ela se destacava! Onde ela estivesse, acabava se destacando… Inclusive pela beleza”

Ele lembra dos vários empreendimentos que ele, Ângela e o marido dela, Júlio, idealizaram na década de 70 e 80. “Aqui nesse prédio da Earte tinha um restaurante de comida natural, em 1980. Ângela ia pra cozinha, ela que cozinhava, ela era assim! Tínhamos uma editora, voltada para temas esotéricos, que publicava a revista Terra. Junto com meu cunhado, marido de Ângela, chegamos a produzir alimentos com esse viés natural”, ele lembra, citando também a Lótus Engenharia, a empresa que funcionava em sociedade com o cunhado e que ficou responsável por construir o prédio onde hoje funciona a Earte, em 1980.

Earte em 1980

A construção do prédio da Earte, em 1980. Foto: Acervo Earte

“Era uma grande maluquice aquilo tudo! Era muita curtição… Todo mundo novo, todo mundo garotão ainda. A vida toda pela frente!”, lembra Luiz Augusto, dando gargalhadas da aventura dele, da irmã e do cunhado, que realizaram grandes empreendimentos quando ainda tinham menos de 30 anos de idade.

Não bastasse todo o conhecimento trazido das experiências na Universidade Federal da Bahia, em Salvador, Ângela Oliveira deu uma volta ao mundo aprofundando-se nas diversas tradições da dança: “Em 1974 Ângela e Júlio foram para a Europa, aos Estados Unidos, ao Canadá e ao Japão. Em todos esses lugares ela fez muita pesquisa na dança. Foi até nos países nórdicos… Imagine! De tudo ela trouxe material”, diz o irmão.

Recorte de jornal sobre a viagem internacional de Ângela Oliveira

Recorte de jornal de 1976 sobre a viagem internacional de Ângela Oliveira. (Acervo Earte)

 

O falecimento precoce

O protagonismo de Ângela Oliveira foi definitivo para iniciar uma história da dança em Feira de Santana. Como lembra Luiz Augusto, nada parecido existia até então: “Feira de Santana tinha, naquela época, um movimento consistente de teatro, mas de dança não havia. Absolutamente nada! Ângela que começou, com essa bandeira”.

Infelizmente, a brilhante trajetória de Ângela foi interrompida por um trágico acidente de carro em 1983, vitimando-a fatalmente junto com o marido, Júlio. O sonho da Earte teve que ser assumido por Luiz Augusto, e, posteriormente, pela sobrinha de Ângela, Manuella Oliveira, filha de Luiz, que contava apenas 6 anos quando a tia faleceu.

“Eu não desejo aquilo pra ninguém… Foi muito forte aquilo! Muito difícil!”, disse Luiz Augusto, mostrando-se muito emocionado com a lembrança.

O pai, Dr. Herval, e os filhos Luiz Augusto e Ângela Oliveira

O pai, Dr. Herval, e os filhos Luiz Augusto e Ângela Oliveira. Foto: Acervo Earte

Além da grande dificuldade emocional, Luiz Augusto precisou enfrentar algo além, o desafio de manter a Earte de pé: “Perdi minha irmã, que estava fazendo esse trabalho da Earte, e também perdi meu sócio na empresa de engenharia, e eu fiquei só! Tinha 31 anos, um ano mais velho que ela”. Na época, a construção do prédio teve 70% do valor financiado, que precisou ser pago, com muito esforço, por Luiz Augusto.

Além da filha Manuella, que cresceu e seguiu os passos da tia, ele destaca o apoio indispensável de sua ex-esposa, Telma, e da atual esposa, Ivoilma, mulheres que compreenderam o legado de Ângela Oliveira e não deixaram de apoiar a primeira escola de dança de Feira de Santana.

O que Ângela Oliveira fez por Feira de Santana, e pela dança, seria inusitado mesmo nos dias de hoje: criar uma grande escola de dança, antes dos 30 anos, com referenciais internacionais e capaz de atender a uma população de 190.000 mil habitantes (quando a Earte foi fundada). A nós, feirenses, cumpre agradecer e registrar eternamente o papel histórico que Ângela cumpriu e cumpre em nossa cidade.

Um dia antes de seu falecimento, ela deixou a seguinte mensagem profética:

Ângela Almeida

 

Abaixo, algumas fotos de Ângela Oliveira:

 

(Ângela Oliveira dá nome ao Teatro do Centro de Cultura Maestro Miro, e é patrona da cadeira nº 19 da Academia de Letras e Artes de Feira de Santana).