Desde que a Seleção Brasileira de Futebol passou pelo histórico vexame de perder por 7 a 1 para a Seleção Alemã durante a Copa do Mundo aqui realizada, entrou na moda falar da “crise no futebol brasileiro”. Outro dia, assistia um desses programas de debates esportivos, e um dos comentaristas afirmou que uma das fontes da crise seria a falta de produção de bons jogadores. Para ele, Neymar era o único jogador brasileiro da atualidade que possui o nível da tradição do nosso futebol.

No mesmo debate, um ex-jogador disse que o problema é que no Brasil se reduziu bastante a quantidade de “peladas” de rua, os jogos de futebol informais que antigamente eram comuns em várias ruas nos bairros das cidades brasileiras. Limitados pela insegurança e atraídos pelos entretenimentos eletrônico-virtuais, praticar futebol passou a ser algo que necessita de mais organização (pelo menos uma quadra ou campo) e logística.

Por não entender de futebol, embora seja torcedor, prefiro não me aprofundar nas entranhas da tal crise. Mas como frequentador assíduo dos “babas” de rua em Feira de Santana, resolvi relembrar alguns detalhes só conhecidos por quem integrava essa brincadeira:

Traves de pedra

Nos babas de rua pedras faziam a função de traves. O detalhe é que o tipo de pedra usada influenciava na possibilidade de ter gols não marcados, por causa da altura ou peso da pedra. A bola podia bater na “trave” e voltar, se fosse uma pedra pesada, ou podia simplesmente lançar a pedra bem distante, entrando pela metade no gol (sempre gerava polêmica quando isso ocorria).

Os carros

A consequência natural de jogar bola na rua é a divisão do espaço com os veículos. Sempre que passava um carro tinha que parar o jogo. Geralmente alguém ia correndo tirar as pedras para o carro não destruir a trave. Um problema muito sério era quando o carro estacionava no meio do campo, exigindo a escolha de um novo lugar para o baba.

As varandas

A probabilidade da bola cair na varanda de alguma casa era muito grande. Janelas eram quebradas e plantas eram assassinadas. Por causa disso, muitas boas vizinhas ou vizinhos furavam as bolas quando tinham oportunidade, para evitar a depredação do patrimônio de suas casas com nosso futebol.

“Quem era grosso, como eu, frequentemente chutava o paralelepípedo em vez da bola”

Chuteira?

Sim, jogávamos descalços. A probabilidade de ter o dedão do pé ferido por uma topada era grande (quem era grosso, como eu, frequentemente chutava o paralelepípedo em vez da bola). Quando não era isso, ocorria de chegar em casa com os pés sujos, e a mãe reclamar bastante por ter entrado sujando o chão da casa.

Um detalhe sórdido

Por falar em sujeira, vale lembrar que rede de esgoto é algo relativamente recente aqui em Feira, e acontecia muito da bola cair justamente na água suja que escorria nos cantos das ruas. Aliás, as bolas pareciam ter algum imã para locais impróprios: grampos em cima de muros muitas vezes acabavam com a brincadeira.

As bolas

Se não havia muita exigência para o tipo de campo, também não éramos muito criteriosos com a bola. Usávamos a melhor que havia, e geralmente não tinha tantas opções. Ruim eram aquelas bolas que, após o chute, eram levadas pelo vento para uma direção inversa da que interessava ao jogador.

As regras

O baba de rua tinha regras simples, mas frequentemente gerava briga entre os jogadores. Era lateral quando a bola passava da linha do meio-fio. Não tinha impedimento, e muita gente decidia ficar “na banheira” pra fazer gol com facilidade. Sem juiz, para marcar a falta bastava o jogador gritar “parou!” (e muitas discordâncias eram manifestadas nesse caso).

Geralmente jogava-se com limite de tempo (quando havia relógio para marcar) ou limite de gols (dois ou três). Quem perdesse dava a vez para outro time. As equipes eram definidas no “par ou ímpar”, para evitar as panelinhas.

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Você também bateu baba na rua? Deixe um comentário falando sobre sua experiência.

 

Texto em homenagem aos bons de bola: Juninho, Seu Pam e Pipe.