Faço parte de uma geração de certo modo privilegiada – aquela nascida entre o início e o meio da década de oitenta. Vivemos uma cultura infantil mais tradicional, com brinquedos e brincadeiras concretas, não virtuais, e alcançamos ainda bem jovens o alvorecer dos brinquedos digitais, videogames, mídias sociais e afins.

Não era incomum ver colegas descalços batendo um baba na frente da locadora de videogame, no meio da rua. Hoje, o baba no meio da rua já não se vê, as locadoras de videogame perderam espaço para os smartphones com jogos acessíveis a qualquer momento.

Mas, como dizia, vivi um momento rico de brincadeiras, e só tinha disponível duas ou três ruas do bairro Eucaliptos para isso, permitidas pelos meus pais à época.

Curioso era que tínhamos, eu e meus amigos de infância, temporadas de brincadeiras. Elas se davam em épocas não exatamente definidas em calendário, de modo que podíamos ter aprofundamento e especialização em cada uma (o baba era o único que não parava e permanecia intocável em qualquer tempo).

Vou falar um pouco das principais temporadas de brincadeira que marcaram minha infância.

Gude

Gude em Feira de Santana

O tempo de gude (berlinde, para o pessoal do Sul) além de ser muito divertido é uma experiência econômica muito interessante.

Disputávamos o capital (gudes) que tínhamos em relação aos demais. Fazíamos trocas, convencíamos nossos pais a comprar mais algumas na venda da esquina, jogávamos, perdíamos e ganhávamos.

Importante dizer que nem sempre ter pais com capacidade de bancar as gudes do filho era motivo de destaque. Primeiro que gudes novas não tinham muito valor de mercado (são mais escorregadias para jogar). Segundo que havia maior valor agregado na gude ganhada no jogo em relação à gude comprada.

“Gude carambola denunciava que foi comprada no supermercado Paes Mendonça ou nas lojas Brasileiras”

Havia toda uma ciência de escolha da boa gude. Para jogar, ela precisava ser perfeitamente redonda – o que era medido colocando a gude contra o sol e analisando com um dos olhos fechados.

Gude de leite (toda branca ou cinza-azulada e opaca) era difícil de achar. Gude carambola denunciava que foi comprada no supermercado Paes Mendonça ou nas lojas Brasileiras. Gude de metal (tirada de rolamentos de caminhão) eram proibidas porque quebravam as outras no jogo – e eram pesadas para jogar.

Pipa

Pipa em Feira de Santana

Das brincadeiras de antigamente, a mais artesanal delas era empinar pipa. Cortar o papel de seda (ou simplesmente uma folha de caderno), retirar as taliscas da palha de côco, colar as taliscas no papel, fazer a chave com a linha, procurar e cortar a rabada, enrolar a linha na lata. Amarrar tudo e só então buscar o vento.

Às vezes, o processo de confecção era mais prazeroso que o próprio ato de por a pipa no ar. Mas também era bom ser engenheiro de uma aeronave que funcionasse, e, se possível, resistisse a investidas dos concorrentes, que tentavam cortar a linha das outras pipas que estivessem no ar.

Era bonito de ver as várias pipas fazendo piruetas no céu.

Peixe

Peixe Guppy em Feira de Santana

A responsabilidade de lidar com vidas começou a aparecer quando aderi à temporada de criação de peixes. Reservar a água até que o cloro saísse, cuidar da temperatura da água, garantir alimentação diária, retirar filhotes para que os peixes maiores não os devorassem.

Era fascinante ser criador e manipular a reprodução entre os peixes. Os guppys, com caldas extensas e coloridas, eram os preferidos para reprodução, pela surpresa que trazida com as possibilidades de cruzamento. Diferentemente dos peixes espada e das molinésias, quase sempre com um padrão definido.

Quem não tinha acesso a peixes de raça, criava piaba mesmo. A experiência era parecida.

Pião

Pião

Jogar pião também era muito divertido. Andávamos pra cima e pra baixo com o brinquedo que exigia técnica e coordenação motora, seja para lançar da maneira correta, seja para fazer manobras que chamassem a atenção.

Pegar o pião na mão e fazer ele deslizar pelo braço era uma arte. Um pouco dolorida, é verdade, mas prazeirosa.

Colecionismo

Colecionismo em Feira de Santana

Outro dia fiquei muito feliz ao ver em uma pequena venda (próxima aos Correios da João Durval) alguns daqueles prêmios dados por quem acha figurinhas premiadas de álbuns temáticos. É verdade que os prêmios são de valor material bem ínfimo (geralmente brinquedos de plástico como bolas, bonecas, dominós etc), mas causam um furor muito grande entre os pequenos colecionadores.

Também há as coleções de figurinhas da Copa do Mundo (na foto acima, a de 1994), que não dão prêmio, mas mobilizam, ainda hoje, muita gente ansiosa para completar a coleção.

Outras coleções legais: cartão telefônico, prêmios de salgadinho, maços de cigarro vazio e tampinhas de garrafa.

Assim como ocorria com as gudes, o colecionismo é responsável por uma boa educação econômica, ensinando com muita facilidade a lei da oferta e da procura.

Concluindo…

Incontáveis outras brincadeiras fizeram parte da infância da minha geração, cada uma com um valor específico, a maioria delas nos dando uma boa dose de sociabilidade e interação.

Também vivemos muitas brincadeiras virtuais/digitais que acrescentaram bastante, de modo distinto, nosso crescimento. Mas isso já é assunto para outro artigo.