Quem tem sono leve acordou na manhã do último domingo (07) com a fogueteria dos bandos que saíam de todas as partes da cidade para anunciar os festejos em homenagem à padroeira de Feira, Senhora Sant’Anna. Já às 5h da manhã era possível ver a romaria em direção à Conselheiro Franco, em frente ao Centro Universitário de Cultura e Arte, o CUCA, instituição que organiza o Bando Anunciador.
Um desentendido narraria como uma visão onírica tanta gente andando tão cedo, sob a neblina de um domingo, com fantasias diversas pelas ruas da cidade. Dos já clássicos personagens Lampião e Maria Bonita até as mais ácidas e contemporâneas, como a do aeronauta flagrado com 39 quilos de cocaína no avião presidencial.
Antes da jornada, muitos organizam o café da manhã reforçado, para resistir ao percurso animado com muitas charangas e afoxés. Não é raro, nos bares e cafofos na região da Matriz, ver pratos fumegantes de mocofato, carne do sol com cuscuz, sarapatel ou feijão-com-tudo-dentro sendo servidos.
No Bando Anunciador é possível ver gente de todas as idades, origens sociais, cores, orientações sexuais e ideológicas. Sem dúvida, a festa mais inclusiva e democrática que Feira de Santana consegue produzir. Há bandos de três ou quatro integrantes, que escolhem uma pauta (ou não) para apresentar à galhofa coletiva, e há bandos com centenas de foliões organizados com muito planejamento e estruturação comunitária.
Os bandos da Queimadinha, Baraúnas e Rua Nova
No Bando Anunciador 2019, três localidades tradicionalmente estigmatizadas pelas ocorrências criminais em seus territórios fizeram o ponto alto da festa. Queimadinha, Rua Nova e Baraúnas levaram, cada um, centenas de integrantes, todos vestindo a camisa dos seus bairros, orgulhosos por pertencerem às suas comunidades.
Todos esses bandos têm músicas autorais, cantadas em referência ao próprio Bando, conhecidas e entoadas pela massa dos integrantes. É notável a rivalidade irreverente que existe entre eles, desde muito antes do evento, com a expectativa de qual será o bando mais animado, o que terá mais foliões etc.
Durante o percurso, na prática, os bandos se desfazem, prevalecendo a dinâmica democrática do Bando Anunciador: patricinhas e mauricinhos colam no bando da Baraúnas, um integrante do bando da Queimadinha segue o bando da Rua Nova, alguém que foi “só pra olhar” não resiste e vai sambando atrás do bando da Queimadinha e por aí vai.
Importante notar como a alegria, a inventividade e o vigor cultural desses bairros resistem a todas as carências sociais e estigmas projetados sobre eles.
Necessidades para o Bando 2020
O Bando Anunciador cresce a cada ano, mantendo o status de evento seguro, que atrai todos os estratos da nossa sociedade. Com o aumento do público, alguns ajustes estruturais precisam ser feitos, a exemplo do aumento da quantidade de banheiros químicos e a definição de uma metodologia de atuação para os vendedores ambulantes.
Em alguns pontos do percurso, principalmente nas proximidades do CUCA, transitar torna-se muito difícil, principalmente por causa do “engarrafamento” de carrinhos de vendedores de cerveja, em lugares já afunilados por barracas em ambos os lados da rua.
Não se trata de proibir o ganha-pão desses vendedores, legítimos integrantes da festa, mas de estabelecer um diálogo com eles para chegar a uma solução razoável.
Essas dificuldades, porém, não tiraram a beleza do Bando Anunciador, um evento sem qualquer iniciativa empresarial e pouquíssimo empenho dos governos. O Bando é a materialização de uma cidade diversa, pulsante, politicamente consciente e acolhedora. É de se perguntar como esses atributos são perdidos, corrompidos e tomados nos corredores das nossas burocracias.
Trackbacks / Pingbacks