Não é comum que feirenses com mais de trinta anos tenham cultivado ao longo de suas vidas algum sentimento de pertencimento em relação a Feira de Santana. São vários entre nós os que percebem a cidade-entroncamento como uma fatalidade da vida, o lugar de trabalho e subsistência ao qual precisam se adaptar. Alguns até cá estão porque os movimentos da vida impuseram, visto que muitos nasceram em outros municípios e acidentalmente pararam em Feira pelas oportunidades surgidas para si ou familiares.
Assim, Feira simboliza um lugar funcional, indigno de afeto ou cuidado, que não inspira qualquer espírito de cidadania. Frente a um soteropolitano gabando os coqueiros de Itapuã muitos até sentem vergonha de falar que são feirenses, que moram em Feira ou que admitem a possibilidade de viver por aqui até o fim de suas trajetórias. Enquanto Narciso acha feio o que não é espelho, esse extrato da população feirense treme na base ao reconhecer em si qualquer traço da identidade local.
Obviamente, não devemos confundir sentimento de pertencimento com a artificial projeção de nobreza aristocrática que certos setores da elite econômica da cidade criaram em torno de si. Ainda há em muitas conversas de condomínio o projeto de uma Feira que nunca existiu: higienizada, silenciada e bem-comportada, segundo os parâmetros de quem brinda espumante soltando breguíssimas expressões (mal)ditas em francês.
“Talvez os caminhos políticos, sociais e culturais que percorremos até aqui estejam relacionados com essa desconexão entre Feira de Santana e seus habitantes”
Apesar desse cenário tradicional de desprezo à Feira de Santana real, parece emergir entre as novas gerações um movimento de orgulho feirense muito promissor. Vejo muitas(os) jovens de dezesseis, dezoito, vinte, vinte e dois anos falando de Feira com entusiasmo, estampando o gentílico “feirense” no perfil do Instagram, declarando saudades do Bando Anunciador, exaltando a Caixa D´Água do Tomba como monumento representativo, curtindo e defendendo artistas locais. Boa parte dessas pessoas nasceram em Feira, e parecem possuir uma ligação afetiva com a terra.
A naturalidade, por si só, não explica esse fenômeno aparente: também vejo cada vez mais escolas básicas (públicas e privadas) promovendo oportunidades de contato com a cultura local, algo definitivo para a formação de gerações que compreendem sua importância para a cidade e a importância da cidade para si. Talvez os caminhos políticos, sociais e culturais que percorremos até aqui estejam relacionados com essa desconexão entre Feira de Santana e seus habitantes, agora embrionariamente sendo corrigida.
Longe de entender que as novas gerações possuem a benção de salvar a cidade de seus vis antepassados, há esperança de que diferentes formas de compreensão coletiva de Feira de Santana surjam, envolvendo mais que o interesse individual de cada um de nós. Afinal, o espaço físico não existe isolado das representações afetivas que temos dele.