“Tira a mão do ovo, Nonô!”, protesta Toinho Cabeção quando o coroa de 86 anos chega para almoçar. É assim todo início de mês: Nonô chega na lanchonete do Centro Mandacaru apoiando uma mão na bengala e a outra oscilando entre o bolso e algumas coçadinhas no meio da calça. Ele não terceiriza o saque da aposentadoria, tanto por vigilância orçamentária quanto por deleite ritualístico: após ir ao banco, compra os remédios do mês, apara o cabelo que lhe resta e arrisca tornar-se milionário nos seis números da mega.

“Jogar na mega pra onde, Nonô? Vai gastar esse milhão com o que, nessa idade que tu tem?”, enxere Filé, flagrando a papeleta da mega-sena na mão murcha do velho, que arruma a dentadura na boca e olha atravessado sem dar retorno. “Ô minha fia, dê cá uma pitú pra abrir o apetite, que é melhor do que responder uns corno desse”, pede à atendente.

Engole a cachaça no balcão e senta-se em uma das mesas, onde folheia o A Tarde. Com pouco, recebe a visita de outro ancião do Mandacaru, Manoel Estrela, que senta sem pedir licença e já vai perguntando o que há de novo no dia.

Nonô, sem tirar o olho do jornal: “os mesmos fela da puta de sempre, esculhambando com a gente”, ao que Estrela concorda: “por isso não leio mais jornal, as mesmas notícias de 50 anos atrás. Só muda os nome”.

Nonô, parecendo impactado pela fala, olha para Manoel Estrela e diz: “É. Mas se a gente não esperar mudança, a gente morre”. Volta-se para Toinho Cabeção, que já estava ocupado roendo um osso do ensopado de galinha, e diz: “Ô seu corno… eu jogo porque quando parar de jogar eu tou morto”.