Na Micareta de Feira sempre houve lugar para as elites da cidade se entreterem – por elite entenda-se as classes médias e/ou médias-altas do município, sem com isso fazer juízo de valor ou desconsiderar a importância desse núcleo social para o andamento das coisas. Dos bailes do CCC e do FTC, aos badalados blocos. Das feijoadas “bem frequentadas” aos camarotes All Inclusive. Sempre houve “o lugar de quem tem a puba”, como diz seu Bicudo, amolador de alicate na Ladeira do Centro.

Quando nem havia Micareta, na década de 30, dois blocos eram tradição no carnaval feirense: os Filhos do Sol e as Melindrosas. O primeiro da elite moradora da região do Campo do Gado (o velho). O segundo do Tanque da Nação, gueto das lavadeiras da cidade. O Baile “Uma Noite no Hawaii” e o “Caju de Ouro” – reeditado em 2019 – embora não fossem eventos oficiais da Micareta, sempre deram o tom da participação efusiva das elites na folia.

Na década de 90 e início dos anos 2000, os blocos “Qual É?”, “Flexada”, “A Tribo”, “Armação” e outros eram redutos da juventude abastada da cidade (se bem que sempre havia a indignação pequeno-burguesa de quem não aceitava estar fora das cordas, e com planejamento financeiro utilizava-se de carnês pagos ao longo de todo o ano para garantir seu abadá).

Parece que o cisma das elites com a Micareta ocorreu em 2013, quando foi extinto o que, para uns, era considerado um “corredor polonês”: o agrupamento de camarotes situado pouco antes da Estação Rodoviária. Ali havia camarotes particulares “familiares” e camarotes comerciais, tornando a festa exclusiva para quem tivesse o passaporte do que o jornalista Dilson Barbosa chamou de “palco apoteótico” em 2016, numa denúncia do saudosismo pelo corredor:

“Tem muita gente com saudades do corredor de camarotes, antes  existentes na Av. Presidente Dutra durante a Micareta. Há quem ache que depois da retirada do corredor, a Micareta perdeu o seu ‘glamour’. Isso porque os artistas faziam disputas para chegarem àquele palco apoteótico. Com a extinção do corredor, não só os atuais sistemas de camarotes perderam atratividade como os artistas não nutrem mais a emoção de entrarem  triunfalmente no chamado ‘palco iluminado da folia’.

Será que tem lógica?”

Fonte: Dilson Barbosa/Bom Dia Feira

Extinguir o “palco iluminado da folia” custou o afastamento das elites feirenses da Micareta. Por que fechar minha loja e liberar funcionários para uma festa onde não estou incluído? Como aderir a uma Micareta que exclui o nicho onde cabia eu e meus iguais? Por que investir num evento que não acolhe meu glamour?

E assim os blocos foram se defasando, os camarotes esvaziando. Em 2019, o Camarote DJ Agenor seguiu a tendência do Micarote (em 2018) e anunciou a saída da Micareta. Sem falar no Point Universitário, que perdeu audiência mesmo entre os universitários. “Quem tem dinheiro vai viajar na Micareta”, protestou um amigo médico.

Micareta 2019

Em 2019 algo mudou. Não que as elites tenham achado espaço para se aninhar. Pelo contrário: apenas um camarote de grande porte foi instalado no circuito, o Central Mix. A Ambev, tradicional patrocinadora da Micareta, pulou fora. Tragédia anunciada: mais uma Micareta que seguia a tendência de derrocada da festa. “Uma festa violenta”, disse um empresário numa mesa de bar da São Domingos, esquecendo-se que em 2018 não houve registro de violência grave no evento – o mesmo ocorreu em 2019.

A profecia não se realizou, e a Micareta de Feira de Santana floresceu popular, frequentada, pacífica e diversa. “Nem chover, choveu”, lembrou seu Bicudo, que todo ano sai no Bacalhau na Vara. Importantes medidas parecem ter sido o fechamento do comércio no sábado, a transmissão ao vivo pela TV Band e o início da recondução do evento para sua tradição diurna, além da insistência do Poder Público Municipal em realizar a Micareta a despeito da míngua de fontes de financiamento externas.

O Prefeito Colbert, conhecido pelo ar austero e burocrático, empolgado com a popularidade da Micareta 2019, tornou-se tributário da folia, e promete planejamento antecipado para a festa de 2020. Que assim seja, com a prioritária permanência do povo na festa, e, quem sabe, com a adesão de empresários, altos funcionários e intelectuais nesse evento que é um retrato simbólico da autoestima do povo feirense.

 

Fotos: Sara Silva/SECEL