Que desgraça! A porra que ia de novo se prestar àquele papel ridículo ano que vem… matutava inconformado Bobó, enquanto rangia sorrisos e tchauzinhos para as crianças que passavam olhando intrigadas. Um Papai Noel preto e magrela, onde já se viu, repetia Bobó consigo, intolerante com aquela situação.

Mas Seu Joaquim, dono de uma loja média de confecções no Calçadão Sales Barbosa, foi incisivo: ou assumia o cargo ou não pisaria mais os pés na empresa. Bobó substituía Nélio, que fora acometido por uma Chikungunya e, portanto, não seria o chamariz dos clientes no período de Natal, quando a cidade fervilha com gente de tudo que é canto – de Ipirá a Santo Amaro, de Serrinha a Santo Estevão.

Bobó já tinha exercido muitas funções na loja. Carregador de mercadorias, limpador de chão, vendedor e até mesmo caixa, de onde foi retirado após suspeitas de tombos em Seu Joaquim. O velho não tinha prova, mas os indícios forçaram-no a proibir qualquer dinheiro da firma nas mãos de Bobó, que nunca se arrependeu dos desfalques, já que, alegava à própria consciência, recebia atrasado, não tinha carteira assinada e as horas de trabalho ultrapassavam o que era correto.

Quantas épocas de Natal trabalhou até tarde à noite sem nem um obrigado, ressentia-se desesperado. Uma tortura aquela roupa de cetim velha, bufada, fedendo a mofo, que tornava ainda mais abafado o pouco espaço entre as barracas da Sales Barbosa e a porta da loja. O nariz de carranca enchia-se de gotículas de suor, o sovaco lacrimejava agoniado. Que tormento!

Almerinda, a gerente responsável por fiscalizar os funcionários, “olhos, ouvidos e narizes de Seu Joaquim”, como ela dizia, cobrava sorrisos mais espontâneos, chamadas e anúncios de promoções no microfone rouco, enfim, a animação natalina. Bobó fazia muxoxo, lembrava que nem parecer Papai Noel ele parecia, que preferia subir escada com caixa de roupa ou lavar banheiro. Almerinda retrucava que isso de aparência não era lá tão importante. Tomasse como exemplo o próprio Papai Noel, que era originalmente verde, tendo sido mudado para vermelho pela Coca-Cola e todo mundo aceitou etc.

Após alguns dias de questionamentos, insurreição, angústia e inconformismo, Bobó tornou-se um Papai Noel mediano. Entediado, mas mediano. Foi quando um menino de uns cinco anos de idade apareceu diante dele e abriu um sorriso inédito até então. Bobó olhou com certa estranheza, mas alguma simpatia, até que o menino correu e abraçou com força a perna de Bobó: “Papai Noel preto, que nem eu!”.

Não chorou, mas naquele momento Bobó entendeu, comovido, o que significava o espírito de Natal.