Roberto Kuelho é um dos mais populares artistas de Feira de Santana, conhecido por sua atuação em diversos campos: é cantor, compositor, blogueiro, radialista, produtor e assessor de imprensa. Fez sucesso em todo o Brasil com o irreverente e satírico grupo Xêro Mole, do qual era vocalista.
Kuelho conversou conosco sobre seu novo disco, o SenseBulir, trabalho solo que possui uma roupagem distinta do que caracterizou sua música até aqui. Com 39 anos de idade e 15 de carreira, Kuelho também falou sobre o cenário cultural de Feira de Santana e sobre as composições que já fez para nomes da música baiana como Harmonia do Samba, É o Tchan, Terra Samba e outros.
Leia e assista ao vídeo (os conteúdos são complementares):
Feirenses: Queremos começar falando um pouco da sua infância…
Kuelho: Isso é interessante… Eu sou filho adotivo. Nascido no Tomba e tem uma história muito louca, que quando eu era novo, a minha mãe com dificuldade financeira acabou me dando pra outra família. E essa outra família me criou e tal, e todos os laços afetivos eu acabei criando com essa outra família. E a partir daí eu fui morar em Humildes. Estudava lá, e foi aí que começou minha vida artística. Primeiro eu tentei no desenho, meio que sem sucesso, depois eu comecei na poesia, até que um amigo meu musicou uma poesia minha. Aí eu pensei: “caramba… tem isso aí, né? Poesia pode virar música. Aí eu comecei a fazer música. Esse foi meu encontro com a arte, e dele nunca mais me separei.
Feirenses: Você tinha quantos anos quando esse contato com a arte aconteceu?
Kuelho: Na verdade, o primeiro contato de verdade foi aos 10 anos, quando eu ganhei um livro de poesia de Nailton Moura, um poeta de Amélia Rodrigues, e quando eu ganhei esse livro dele, chamado Transmutação, eu percebi que o amigo de meu pai (Nailton) publicou esse livro aí melhorou minha questão do poder fazer: “se ele pode, ele é amigo do meu pai, trabalha com meu pai e pode fazer um livro, eu também posso”. A partir daí eu fiz um livro de cordel, porque meu pai tinha muito cordel em casa. Aí meu pai mostrou esse cordel pra Nailton, e ele falou “caramba, que legal! Seu filho é bom nisso… Traz aqui pra eu conhecer”. Aí pronto! Eu que virei o melhor amigo do amigo de meu pai. E até hoje a gente se fala, e tal… Ele hoje mora aqui em Feira. Ele foi inspiração pra que eu escrevesse.
Eu me lembro de cenas assim da minha infância de comícios políticos lá em Humildes, em que eu tava nos palanques políticos e já fazia um relativo sucesso. Eu lembro que eu com dois microfones, nos trios elétricos falava: “Meu Governador João Durval… Já tá confirmado, aqui em Feira de Santana não tem Paulo Souto nem pau amarrado!”… Fazendo rima de cordel com os políticos.
Feirenses: Você um multitalentos… humorista, blogueiro, radialista, cantor, compositor, músico… Como concilia tudo isso?
Kuelho: Se você perceber, todas essas funções estão muito atreladas uma à outra. Quando algo está desafinando muito do meu campo de atuação, eu não fico. Você tem o jornalista, que tá colado com o blogueiro, que tá colado com a assessoria que eu faço de algumas bandas, que tá atrelado à música… Sempre tem que estar uma coisa atrelada à outra. Nunca, por exemplo, pensei em colocar uma loja de sabão, porque ficaria distante… Mas o resto está muito atrelado. Por exemplo, no rádio eu procuro fazer jornalismo mais cultural, dentro do entretenimento. Sempre assim.
Feirenses: É muito difícil lhe ver sério, pra baixo. Você geralmente está sorrindo e brincando. Existe essse Kuelho mais sério?
Kuelho: Existe! O que me deixa chateado são as injustiças. As humilhações. Mas eu aprendi também a sublimar… O que é sublimar? Você tem um problema e você não tem a solução, não vale a pena se chatear com isso. Por exemplo: na banda, quando eu tinha o Xêro Mole, a gente tinha uma regra: a gente só podia dizer que um arranjo estava ruim se a gente tivesse um melhor. “Ah… Esse arranjo tá uma merda!”. Você tem um melhor? Não… Então esse é o bom. Isso livrava um monte de problema.
Certa feita eu tava numa clínica com minha ex-companheira e ela estava fazendo um exame. E quando eu levei ela na sala, roubaram meu carro. Quando eu volto, não tava mais o carro. Peguei o celular dela emprestado, liguei pra polícia, liguei pros amigos, liguei pra todo mundo, voltei e sentei do lado dela. Quando terminou, ela dilatou pupila, fez tudo, ela falou: “vamo embora!”. Eu disse: “espera um pouquinho que um amigo vai dar uma carona pra gente”. Ela perguntou o porquê, eu expliquei e ela: “como assim roubaram o carro e você não fala nada!?”… Mas seu eu falasse eram dois problemas: tinha o carro roubado e ela não ia fazer o exame. É melhor só ter um! Agora também eu não posso ser falso comigo… No final do dia fiquei revoltado, só faltei chorar.
Feirenses: As pessoas ainda lhe vinculam muito ao Xêro Mole. Você se incomoda com isso?
Kuelho: Me incomoda não poder corresponder. Não há previsão de voltar o Xêro Mole. Não há nem ideia de voltar. Agora eu tenho consciência que tenho que conviver com isso. Tanto que esse outro trabalho que eu tou fazendo, não tenho pressa de fazer show. Preciso que as pessoas assimilem essa nova etapa de vida de Kuelho. Eu tenho que ter paciência com as pessoas. Pra isso eu uso Antoine Saint Exupéry: “tu te tornas responsável por tudo que cativas”. Então, se eu cativei essas pessoas, eu tenho obrigação de respeitar o querer delas.
Feirenses: O que o Xêro Mole representa para a sua carreira?
Kuelho: O Xêro Mole talvez seja o meu maior momento na música. O maior momento de invadir a vida das pessoas, de adquirir um lugar especial na vida das pessoas. Tanto que até hoje as pessoas abordam muito, até me chamam de Xêro Mole. Pra mim não tem problema nenhum. Eu só quero que aceitem, lógico, as minhas mudanças. Porque eu tenho esse direito. Mas eu respeito cada abordagem feita por causa do Xêro Mole.
“Acima de tudo a gente se divertia fazendo aquilo ali. Mas era um projeto muito sério, a gente encarava com muita seriedade.”
Foi um momento muito importante da minha vida. Não posso, não quero nem vou esconder isso, e tenho orgulho de ter feito parte do Xêro Mole, dos prêmios que ganhei de forma local, dos prêmios que ganhei em outros estados, quando as pessoas iam pra lá nos ver, lotando casas. Acima de tudo a gente se divertia fazendo aquilo ali. Mas era um projeto muito sério, a gente encarava com muita seriedade. Além de querer ganhar dinheiro, fazer show e lotar espaço, a gente também levava uma mensagem dentro daquilo ali.
A gente tinha música que denunciava o uso de anabolizante, como foi o caso da “Bomba”. A gente acabava mexendo nesses meios. Tinha músicas que mexiam com a questão política, com a questão da polícia, da justiça… A gente brincava com isso. Tinha uma música, uma paródia, que eu brincava que namorava com a filha do juiz e “quero ver quem mexe comigo”, e aí era uma forma de dizer que existe o apadrinhamento nas instituições. A música do Xêro Mole fazia esse papel, de brincar fazendo a sátira.
Feirenses: O que esse novo trabalho, o disco SenseBulir representa para você?
Kuelho: Desde quando eu saí do Xêro Mole eu tenho feito um bocado de coisa que não presta. Eu fiz um curso de teatro de um ano, com Roberval Barreto. Segundo, eu queria escrever, e fiz um livro chamado “No meio do mundo”, que nunca foi publicado, que precisa maturar, e talvez eu volte agora, releia e altere alguma coisa. É um livro infanto-juvenil que lida com a relação entre pais e filhos. Fiz um curso de espanhol, que eu sempre tive vontade de fazer. Como eu disse, é sempre uma coisa atrelada à outra: nesse disco eu já trago uma música em espanhol, muito mal cantada, por sinal, mas tá lá. Eu gosto das línguas latinas. E tudo é o tempo… Vai que um dia eu precise fazer um trabalho musical ou jornalístico lá fora! Foi um terceiro trabalho que eu queria fazer, depois da banda. As pessoas achavam que eu estava parado, mas, não. Eu estava fazendo isso que estava me dando muito prazer.
A quarta coisa foi o CD: esse é o quarto marco. Esse CD tem músicas de agora e músicas de 10, 15 anos atrás. Tem uma música mesmo que eu trago, “Rosa de uma rua atoa”, que foi gravado em um disco com Maryzélia, um disco secreto de Maryzélia, gravado há uns quinze anos atrás, só com composições minhas. “Rosa de uma rua atoa” vem de lá, ganha um poema de Lorena Carvalho, ganha uma nova roupagem, ganha a interferência de Thalita Costa, que quando eu mando pra ela, eu mandei só a voz cantada pra ela ouvir, aí quando ela ouviu falou assim: “isso é um samba, né?”. Aí eu falei: “não é não!”. Mas eu comecei a sonhar com o samba na música, e virou o samba.
“Eu sempre fiz música para mexer com as cadeiras. Esse CD eu digo que é pra bulir com os sentidos.”
Uma das coisas que prevaleceu nesse disco foi justamente trazer parceiros pra perto. Na escolha do repertório do CD, se você pegasse carona comigo uns meses atrás eu dizer: “ouve aí. Você acha que essa música deve entrar? Acha que essa deve sair?”. Teve música que já estava dentro do disco, e uma opinião fez sair. Outra coisa: eu trouxe pra fazer a direção musical o Guel Soul, músico e tecladista experiente, que dirige uma parte, e a outra Leo Valverde, um guitarrista de excelentes qualidades, dirigiu a outra parte. Eu levava algumas música cruas e outras eu levava pronta e deixava ver o que acontecia, e isso foi uma experiência muito boa, porque a gente pôde trazer muita coisa. Eu criava uns choques, falava: “Léo… Você não mexe nessa música. Essa aqui o Adriano vai botar arranjo. Aí Adriano: ‘o que é que eu faço’? Eu dizia: ‘fique a vontade. Faça o que você quiser’.” Aí ele pegou a música “Encaracolada” e fez um trabalho sensacional… Então esse fato de poder contar com as pessoas também me ajuda a gerir tudo.
E o SenseBulir é um disco Pop com tempero baiano. É um disco essencialmente romântico, com canções que tem sentidos reais, algumas letras baseadas em fatos reais, com histórias, com o sentimento do poeta.
O disco começou com catorze canções e acabou ficando com dez depois da peneira. Essas dez músicas ficaram de arrebentar, sensacionais. Não digo isso por mim, mas de ter alcançado aquilo que eu queria. De alguém me ligar chorando: “fila da puta! Que disco da porra é esse!”. Isso eu ouvi de um cara de 50 anos. E ouvi também de uma criancinha de seis anos: “Tio Kuelho! Adorei seu disco!”. Então chegou nessas duas camadas, então, isso pra mim é realização.
Eu sempre fiz música para mexer com as cadeiras. Esse CD eu digo que é pra bulir com os sentidos.
Ouça o disco completo gratuitamente:
Feirenses: Como funciona seu processo criativo para compor?
Kuelho: Eu não tenho um processo que eu utilize sempre para a criação. Eu tenho um ritual de quando eu preciso fazer alguma música, e eu não tenho como fugir daquilo naquele momento, preciso fazer o trabalho e estou sem ideias. Aí eu espalho um monte de coisa assim na casa: revista, livro, jornal, violão, brinquedo, tudo! Jogo tudo lá, aí pego a revista, abro uma página, abro outra, e isso às vezes ajuda. Quando preciso fazer algo mesmo. Mas geralmente a ideia vem a letra carregada da melodia, já. Dificilmente vem a letra sem a melodia.
Feirenses: Quais parcerias você têm com outros artistas?
Kuelho: Hoje eu tenho a honra de ter minhas canções cantadas por artistas baianos que rodam o Brasil todo, como É o Tchan, Terra Samba, Harmonia do Samba, Psirico, Saia Rodada… Com o Harmonia do Samba eu tenho 3 músicas: “Pau Comeu”, inicialmente gravada pelo Revolusamba, daqui de Feira e “Mole Mole”. Essas duas fazem parte do novo projeto deles, o Harmonia das Antigas. E tenho também uma música com Bimba, o baixista do Harmonia, chamada “Cheque Mate”.
Com É o Tchan tenho pelo menos umas três músicas, mas a gente destaca lá “Brincadeira da Tomada” e “Cabelo Joelho”. As duas estão no DVD comemorativo dos 10 anos do Tchan. Tem a “Manteiga”, com o Terra Samba, que foi um marco, assim. Uma canção que o disco do Terra estava praticamente pronto, e durante um tempo o Xêro Mole fazia parte da mesma produtora que o Terra Samba, e eles gostaram da música e quiseram trabalhar ela. No início até criei uma resistência, porque era uma música que podia ser trabalhada pelo Xêro Mole, mas com um tempo acabei cedendo. Financeiramente foi bom e criou um respaldo bom. E acabou roubando a cena do disco deles, que ia ser “Terra Samba ao vivo e a cores” e ficou “Terra Samba ao vivo e a cores na manteiga”, porque a música ficou muito forte. Um cantor argentino chamado “King África” chegou a gravar e deu projeção internacional à música, tocando nos Estados Unidos e em outros lugares.
Veja abaixo a versão de “Na Manteiga” cantada por King África (com mais de 250 mil views no youtube):
Feirenses: Quais são suas inspirações?
Kuelho: Muita gente me inspira. Mas eu posso destacar três baianos: Caetano Veloso, Carlinhos Brown e Gilberto Gil. São caras geniais. De uma grandiosidade que não é à tôa um Rei da Espanha condecorar Brown… Porque ele é o cara! Não dá pra acompanhar eles.
Agora o tipo de música que eu mais gosto é Reggaeton. Eu ouço o tempo todo! Se você perguntar a quem me conhece, “O que é que Kuelho gosta”, eles vão dizer que é Reggaeton. Conheço todos! Conheço centenas de artistas do Reggaeton, milhares de música. Trouxe isso pra minha música? Não! Acho que ainda não é o momento. Eu admiro tanto, respeito tanto e gosto tanto que eu não me senti à vontade ainda para gravar esse tipo de música no meu trabalho. No dia que eu gravar Reggaeton eu quero gravar lá no Caribe, ou em Cuba, devo fazer por lá. Porque eu tenho que ter essa responsabilidade, porque eu gosto.
Roberto Kuelho está no Facebook, no Instagram e no Youtube.
Fotos: Orlando Junior
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