Naquela época havia ônibus ligeirinho e circular (dizem que hoje não mais). O ligeirinho tinha sempre um alerta verde-cana na frente, o circular rodava a cidade toda antes de chegar no ponto de casa. Saíamos eu e minha mãe para a rua, comprar roupa, vasilhas para a cozinha, creme de cabelo e bijuterias em micheline e marcassita.

Para um menino no fim da infância, era um papel oneroso esse turismo. Consequência quase trágica de ter nascido homem em uma casa com necessidade de suprimentos femininos, de minha mãe e duas irmãs. Mas já que a rua era o destino, cabia aproveitar, explorar e divertir-me o possível.

Sentia a textura dos tecidos expostos nos balaios da Sales Barbosa. Um deles, não sei nominar, lembrava a rugosidade do bucho do mocofato que minha vó fazia. Revelei a minha mãe a descoberta: “um pano de fato”.

“O litro de seriguela, pra comer até debotar o dente. O milho assado na brasa, ou o litro de amendoim, na época de São João.”

Nas lojas de micheline, atrás do mercado de arte, me interessava aqueles cachos de medidores que serviam para determinar o tamanho do anel que encaixa no dedo. Para mim, os anéis do medidor eram elegantes pela simplicidade prateada, e guardavam algo de simbólico pelo número que traziam. Absurdo que não enxergassem isso, e deixassem de ganhar bom dinheiro com aqueles “anéis”.

E as lojas de R$1,99? Existiam de fato, cumprindo com rigor a uniformização dos preços. Ferramentas, brinquedos, enfeites de casa e as vasilhas de cozinha que minha mãe afetivamente escolhia e comprava. Passear entre as prateleiras cheias de produtos de todas as naturezas era uma experiência reveladora de formas e cores.

Embora o beco da Pererê sempre me atraísse para o envolvimento com o mágico mundo das bicicletas, confesso que não conseguia aproveitar as visitas às lojas de cosméticos, shampoos e cremes mil. Aquele ambiente químico era agressivo, inorgânico, tinha um cheiro bastante desagradável.

Mas outros prazeres compensavam todo o esforço: o litro de seriguela, pra comer até debotar o dente. O milho assado na brasa ou o amendoim cozido, na época de São João. O pastel e o caldo de cana.

Essas delícias, cenários e objetos persistem no centro de Feira de Santana para quem quiser ver, brotando aqui e ali, movimentando-se e adaptando-se. Estão lá as cores, texturas e cheiros da Feira. As mesmas de sempre, misturadas, recombinadas em meio ao vuco-vuco das calçadas e calçadões cheios de escambo e comércio. Basta ver, tocar, sentir.