Quem viveu a década de 1990 em Feira de Santana há de lembrar que a cidade passou por dias de tensão com a ameaça dos ataques de Xuxa Preta, uma das maiores bandoleiras que o interior da Bahia conheceu. Segundo dizia-se à época, Xuxa Preta organizara um grupo de crianças e adolescentes que vivia de arrastões, saques e furtos, sempre em locais e momentos inesperados pelas vítimas.

Nas escolas da cidade, o terror era geral entre alunos, professores, diretores e, obviamente, entre os pais. Circulava a informação de que os jovens eram raptados e passavam por um processo de lavagem cerebral (ninguém sabia onde), que os levavam fanaticamente a aderir ao grupo, adestrado, inclusive, em técnicas de sofisticada violência que eram praticadas nos roubos que sustentavam os trombadinhas.

Recordo do dia em que João Cardoso, colega de sala na ECASSA, foi flagrado na entrada da escola com uma faca de serra suja de margarina, furtada logo após o café da manhã em casa. O porteiro imediatamente o indagou sobre o propósito do artefato bélico, ao que foi respondido tratar-se de defesa pessoal caso o bando de Xuxa Preta aparecesse no caminho até o colégio.

Contava-se que a Xuxa baiana era alta, magra e possuía uma cicatriz saliente no rosto, adquirida em uma briga com um homem que se meteu a cortejá-la num bar. Enquanto a moça apreciava uma dose de Pitu, limão e mel (seu drinque favorito), o sujeito acintosamente tocou-lhe a cintura. Em troca, recebeu uma murrada. Ele quebrou uma garrafa e rasgou a cara da Preta, que desmaiou o namorador com um taco de sinuca na cabeça.

O que sucedeu com Xuxa Preta ainda hoje é motivo de discordância entre os feirenses. No dominó da Praça da Matriz, existem narrativas conflitantes: Jajá Coleirinho diz que Xuxa passou pouco tempo na vida criminosa. Teria namorado com uma produtora musical de Salvador que descobriu-lhe o talento para a música. Cantora, hoje Xuxa Preta estaria nos Estados Unidos, com outro nome, fazendo sucesso internacional, escondendo, naturalmente, seu passado criminoso.

Raimundinho Boca Mole debocha da versão e diz que não há no mundo cantora com cicatriz grande no rosto, como Xuxa Preta tinha. Na verdade, nem preta nossa Xuxa era: isso foi suposto naquela época por puro racismo. Honrando o nome que tinha, a Xuxa de Feira era galega, e foi assassinada por um divergente do seu próprio grupo – que viria a fundar uma grande facção criminosa na cidade. Perguntado sobre o destino do corpo, Raimundinho considera firmemente a hipótese de desova no Rio Jacuípe.

Há outras versões: teria sido presa pela polícia e puxado vários anos de cadeia, até ser solta e sobreviver vendendo coentro no Centro. Outra possibilidade é ter constituído família, com marido e filhos, vivendo agora como dona de casa tradicional. Uns, mais ousados, dizem que Xuxa Preta nunca existiu, tendo surgido como invenção de um cordelista bêbado que soltara a história na feirinha da Estação.

Com essa quantidade de possibilidades, fica o leitor à vontade para escolher entre as teses e antíteses dos nossos historiadores o lugar mítico de Xuxa Preta em Feira de Santana.