Nunca se ouviu falar tanto em feminismo como nos últimos tempos. O tema, no entanto, é antigo, você sabe. Talvez o que você não saiba é que entre as mulheres que influenciaram e engajaram a luta pelos direitos femininos no Brasil está uma feirense. Edith Mendes da Gama e Abreu. Grave este nome. Ele aparece ao lado de outros igualmente importantes para o feminismo brasileiro, como os de Bertha Lutz (parceira direta da feirense) e Patrícia Galvão, a Pagu (sim, a que inspira esta música de Rita Lee e Zélia Duncan, também muito cantada por Maria Rita).

Nascida em 13 de outubro de 1903, Edith Gama era filha de Maria Augusta Falcão Mendes da Costa e de João Mendes da Costa, ex-prefeito de Feira de Santana (1931-1933). Feminista e conferencista nata, fez seu primeiro pronunciamento no Grêmio Rio Branco, em Feira de Santana, com o título “A Mulher”. Era o início da sua bravura. E seguiu:

  • foi diretora do Departamento de Ação Cultural da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPF);
  • foi membro do Conselho de Educação e Cultura do Estado da Bahia;
  • presidiu a Sociedade Baiana de Combate à Lepra;
  • presidiu a Pró-Mater da Bahia;
  • foi conselheira do Abrigo de Salvador;
  • e mais, bem mais.

Sua vida política é marcada por grandes feitos em prol das mulheres baianas. Apesar de opositora do então governador baiano Juraci Magalhães, Edith Gama conseguiu convencê-lo a vetar o projeto de lei do general Goes Monteiro, que dava à mulher o direito ao cargo público apenas se ela tivesse, assim como o homem, a carteira de reservista. Além disso, o anteprojeto do Código Eleitoral, naquela altura, apresentava restrições ao voto feminino. Restrições essas que foram dissolvidas, dada a argumentação da feirense perante o deputado e relator João Cabral. Após a redemocratização do Brasil, em 1945, e depois de algumas frustrações políticas, passou a se dedicar inteiramente às atividades literárias, jornalísticas e educacionais.

Edith Gama foi a mulher mais representativa da Bahia entre os anos 1930 e 1940. Sua obra “Problemas do Coração”, publicada em 1930, colocou-a em seu lugar de escritora ensaísta e profundamente tocada pelas questões femininas. A obra em questão trata de um assunto delicado: o diálogo (ou a falta dele) entre casamento, educação e feminismo na vida conjugal. A educação masculina marcadamente diferente e os problemas enfrentados pelas mulheres. O contexto histórico trazia ressaltada a discussão a respeito da modernização, higienização e urbanização. Acompanhando essas e outras transformações, também se modificava o comportamento feminino, de modo mais acelerado ou mais lento, a depender da classe, meio e profissão das mulheres. Modificavam-se também as relações entre homens e mulheres, que se acusavam reciprocamente como os responsáveis pela quebra dos costumes.

Problemas do Coração

 

“Problemas do Coração” põe lenha na fogueira desse debate, sobretudo na capital baiana, que recebeu, um ano depois, uma filial da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino. Na obra, Edith Gama fala aos homens, confere relevância aos diferentes tratamentos dados aos meninos e meninas no processo educacional, aponta a mulher como superior em sentimentos e o homem como “Retardatário do aperfeiçoamento moral, tem instinctos ancestraes mal refreados a par de inclinações elevadíssimas”. A educação, para a feminista, é a veia determinante da desigualdade entre os sexos. Ambos são “egualmente passiveis do mesmo aperfeiçoamento”. No entanto, o tratamento dispensado aos diferentes gêneros torna homem e mulher absurdamente estereotipados e desiguais: “Indubitavelmente elle ama menos e odeia mais que ella. E é a falta de amor ao cumulo de odio que se estende a immensa cadeia de delictos […] as futilidades e as nevroses, adquirem-n’as ellas no ambiente de uma educação mal-sã”. Critica os pais por tal educação dispensada aos filhos e aponta o casamento como o ambiente onde essas diferenças entrarão em conflito.

Edith Gama, em suma, aponta a sociedade como a grande vilã, cheia de códigos de conduta, regras e princípios. As discussões hoje vistas e ouvidas por um sem fim de atuais feministas (as famosas e as anônimas) são as mesmas da época de Edith e de outras tantas mulheres: liberdade para a mulher; igualdade entre os gêneros; conciliação entre tarefas do lar, maternidade e trabalho e outras.

A defesa às mulheres e as críticas mordazes de Edith Gama a destacaram na militância feminista, levando-a a ocupar a presidência da Federação Bahiana pelo Progresso Feminino. Em 1938, oito anos após a publicação do “Problemas do Coração”, a feirense ocupou uma cadeira na Academia de Letras da Bahia (ABL), a primeira mulher a assumir tal posto.

Rodeada de homens: Edith Gama na Academia Baiana de Letras

Rodeada de homens: Edith Gama na Academia Baiana de Letras

 

Em sua infância, Edith estudou, inicialmente, com preceptores em sua própria casa, como era o costume daquela época entre as famílias abastadas. Em seguida, estudou no Colégio Nossa Senhora de Lourdes e na Escola Complementar da Profª Estefânia Mena, em Feira de Santana. Em Salvador, integrou o quadro de alunos do Educandário dos Perdões, atual Educandário Sagrado Coração de Jesus. Mais tarde, entre Europa e Brasil, especializou-se em Filosofia, Literatura Geral, Brasileira e Francesa, Ciências Sociais e Canto. Foi casada com Jaime Cunha da Gama e Abreu. O casal não teve filhos. Ele faleceu em 1974. Ela, em 1982.

Curiosidades

  • Em Feira de Santana, no bairro Brasília, um colégio estadual recebe o nome da feminista.
  • Em Salvador, no Itaigara, encontra-se a Rua Edith Mendes da Gama e Abreu.

Para saber mais sobre o Feminismo

 

Fontes: Bahia com História, Academia de Educação de Feira, Catálogo Mulheres Cientistas da Bahia e Portal Escritoras Baianas (UFBA).